BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Polícia Federal solicitou ao STF (Supremo Tribunal Federal) a instauração de um inquérito para apurar se houve irregularidades no pagamento de emendas de relator a deputados e senadores.

A corporação afirmou à corte que considera necessário investigar se houve uso ilícito de dinheiro público no pagamento dessas verbas para compra de tratores e máquinas agrícolas.

A intenção da PF é identificar os autores das emendas e a forma como as verbas relacionadas a elas foram executadas.

O Supremo já apontou que falta transparência no pagamento dessas emendas e mandou suspendê-las. Inicialmente, a suspensão foi determinada pela ministra Rosa Weber e, depois, a decisão foi ratificada pelo plenário por 8 votos a 2.

No mesmo julgamento, o tribunal também mandou o Congresso dar ampla publicidade ao pagamento das emendas desta natureza relativas aos anos de 2020 e 2021.

A maioria do Supremo concordou com o voto da ministra. A magistrada afirmou que esses recursos controlados pelo relator-geral da lei orçamentária criam "um grupo privilegiado de parlamentares que poderá destinar volume maior de recursos a suas bases eleitorais".

A ministra disse ainda que falta transparência na destinação dessas emendas.

"Não há como saber quem são, de fato, os deputados federais e senadores da componentes desse grupo incógnito, pois a programação orçamentária utilizada por esse fim identifica apenas a figura do relator-geral", disse.

Essas emendas são usadas pelo governo em parceria com a cúpula do Congresso para beneficiar parlamentares aliados e construir maiorias em votações de interesse do Executivo.

Às vésperas da votação em primeiro turno da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios, também chamada de PEC do Calote, por exemplo, o governo empenhou quase R$ 1 bilhão em emendas de relator. O empenho é a primeira fase do processo para o dinheiro chegar nas bases eleitorais.

Essa proposta permite a expansão de gastos públicos e viabiliza a ampliação do Auxílio Brasil prometido pelo presidente Jair Bolsonaro em ano eleitoral.

Enquanto as emendas estão suspensas, o governo e líderes do Congresso tentam buscar meios para que o Supremo destrave o pagamento dessas verbas.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou nesta semana que o parlamento irá elaborar uma resolução para ampliar a transparência na execução desses recursos.

Segundo ele, o objetivo é aprovar uma norma sobre o tema para destravar o orçamento público e liberar cerca de R$ 8 bilhões que estão parados devido à decisão do STF.

"Nossa intenção é fazer ato conjunto da Câmara e do Senado que possa aferir com detalhes a destinação de recurso de 2020 e 2021 e pensar para 2022, à luz da decisão do STF, alterações na resolução submetida ao Congresso que vise conferir mecanismos e outros métodos em acréscimo àquilo que era realidade até então determinada pela lei", disse em entrevista na última quarta-feira (17).

Depois de aprovada essa resolução, o Legislativo pretende voltar ao Supremo e cobrar a liberação das emendas.

A decisão do Supremo afirmou que os repasses estão suspensos até que o tribunal decida o mérito da ação do PSOL que foi julgada. Ainda não há data para análise.

Pacheco, porém, afirmou que uma solução para o caso pode ser realizada por outro meio, seja pela análise de recurso contra a decisão já tomada ou através de um pedido encaminhado diretamente a Rosa Weber, relatora do processo.

O senador também disse que discorda de declarações de parlamentares de oposição de que essas verbas eram usadas pelo governo para beneficiar apenas deputados e senadores ligados à base do Executivo.

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ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES

A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.

As emendas parlamentares se dividem em:

- Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde;

- Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido;

- Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo.

CRONOLOGIA

Antes de 2015

A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares.

2015

Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:

a) execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior;

b) metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde;

c) contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória.

2019

- O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas);

- Metade desse valor tem que ser destinado a obras;

- O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões;

- Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral.

2021

Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:

- Emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões;

- Emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões;

- Emendas de comissão permanente: R$ 0;

​- Emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões.