Pesquisa traça perfil de invasores do Capitólio 1 ano após ataque à democracia nos EUA
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 04 de janeiro de 2022
LÚCIA GUIMARÃES
NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) - Um ano depois da invasão do Capitólio, 727 americanos foram indiciados pelo governo dos EUA por adesão à violência. Menos de 30 já receberam sentenças com penas de prisão relativamente leves, quando se considera o contexto punitivo do combate ao terrorismo pós-11 de Setembro. Mas não há rigor aplicado pelo Departamento de Justiça que desencoraje a defesa da violência política.
Hoje, 21 milhões de americanos --8% da população adulta--, segundo levantamento liderado pelo cientista político Robert Pape, da Universidade de Chicago, compartilham duas convicções: Joe Biden roubou a eleição de 2020 e é justificável cometer atos violentos para restaurar a Presidência de Donald Trump.
Semanas após o 6 de Janeiro, o pesquisador passou a se debruçar sobre os perfis do primeiro grupo de invasores presos, e os dados se acumulavam à medida que o FBI identificava e detinha novos baderneiros --em parte, com a ajuda de denúncias de um dos crimes mais documentados na história dos EUA.
As conclusões surpreendem. O estudo revela radicais de ultradireita com idade média de 42 anos, bem empregados e ajustados socialmente. Seis em cada sete dos presos não têm afiliação a grupos da chamada franja ideológica, como os neonazistas que marcharam em Charlottesville, na Virgínia, em 2017.
"Seria necessário voltar à década de 1920, quando a [organização racista] Ku Klux Klan passou de alguns milhares a 6 milhões de membros em quatro anos, para encontrar uma normalização da violência comparável na sociedade", afirma à reportagem Pape, por telefone. Ele publica nesta semana o resultado da nova fase de seu levantamento, que inclui uma pesquisa feita entre americanos cujo perfil demográfico se assemelha ao dos 258 milhões adultos no país. A margem de erro é de 2,9 pontos percentuais.
"Nós demonstramos que o sentimento radical testemunhado na invasão do Capitólio é hoje um fenômeno 'mainstream' nos EUA", explica o acadêmico. "Mais da metade dos invasores é formada por pequenos empresários, 'white collar' [trabalhadores não braçais, de funções administrativas]. Há médicos, gerentes, arquitetos."
O perfil traçado dos insurgentes confirma um engano propagado nos EUA após a surpresa com a vitória de Trump, em 2016: a de que a angústia econômica explicava a eleição de um populista demagogo.
A cor da pele, por outro lado, aparece como um denominador comum --tanto entre os presos quanto entre adultos consultados na pesquisa do grupo da Universidade de Chicago. "Entre os 21 milhões de adultos que justificam a violência política", afirma Pape, "75% temem a chamada Grande Substituição", teoria surgida na França, no começo do século 20, segundo a qual haveria risco de extinção de brancos europeus, trocados por imigrantes da África e do Oriente Médio. Hoje a expressão é frequentemente usada como um chocalho racista por âncoras da Fox News e aliados de Trump eleitos pelo país.
"Mais de 50% dos invasores do Capitólio vêm de municípios com duas características: deram a vitória a Joe Biden [em 2020] e estão entre os que mais perderam residentes brancos", afirma Pape.
Desde o início, a pesquisa de Chicago buscava olhar para a frente, especialmente de forma a avaliar como os EUA entrarão numa nova temporada de primárias eleitorais, a partir de março. Em novembro, os americanos elegem todos os 435 deputados do Congresso, 34 dos 100 membros do Senado, 36 governadores dos 50 estados, integrantes de 44 assembleias estaduais e 30 procuradores estaduais.
Pape se diz preocupado com a tensão política que pode marcar o pleito. "É crucial que líderes políticos e comunitários comecem um diálogo antes das primárias, usando a informação que temos agora. O poder de polícia existe para prender quem comete um ato violento. O FBI não pode prender quem apoia ou defende violência. A radicalização já está ao largo na sociedade."
O professor estudou também a dieta de informação dos que consideram Trump o presidente legítimo --e as descobertas chamam a atenção. De acordo com o levantamento, 42% dos entrevistados se informam por Fox News, além de Newsmax e One America News, canais a cabo à direita da líder de audiência.
Entretanto, 32% dizem se informar por CNN e NPR, a rádio pública. "Só 20% declararam se informar por Facebook ou Twitter. Os que se informam por redes sociais tidas como mais radicais, como o Telegram, são uma minoria irrisória." Para Pape, os números reforçam a noção de que a radicalização é também "mainstream" --não há nada no jornalismo da CNN ou da NPR que inspire uma invasão do Capitólio.
Ao longo da entrevista, Pape não usou os termos "republicanos" ou "democratas" --ainda que o Congresso investigue a participação de membros eleitos (todos republicanos) e da Casa Branca de Trump no planejamento e na incitação à violência do 6 de Janeiro. Questionado sobre se há exemplo, na história recente, de um dos dois grandes partidos americanos defendendo a violência para capturar ou manter o poder, ele afirma que, até aqui, não conhece casos de defesa da violência eleitoral no Partido Democrata.
"Mas lembre-se que a legenda saiu vitoriosa em 2020. Violência partindo da esquerda deve ser também motivo de preocupação", diz Pape, que dirige o Chicago Project on Security and Threats na universidade.

