'Para conter a crise climática, são necessárias ações', diz ex-ministra francesa
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sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
ANA BOTALLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os discursos dos principais líderes na COP26 não animaram corações e mentes daqueles preocupados em impedir a crise do clima no mundo, pelo menos do ponto de vista da diretora da ONG Oxfam França, Cécile Duflot.
Para ela, que foi três vezes eleita deputada e líder do Partido Verde francês e ministra de Habitação e Igualdade de Territórios no mandato de François Hollande (2012-17), são os atos dos governantes que devem ditar o que vai poder ser feito nos próximos anos para reverter o aquecimento global.
"As ações tanto no território europeu quanto as que temos perante nossas relações comerciais com outros países são fundamentais, mas é preciso primeiro dar o exemplo, e a União Europeia não está fazendo isso direito", diz.
Recentemente, uma ação conhecida como caso do século, organizada pela Oxfam França, foi julgada e condenou o estado francês a reduzir as emissões de gases de efeito estufa até 2030 sob pena de multa, inclusive aquelas causadas em governos anteriores, revertendo a inação climática histórica daquele país.
Cécile Duflot conversou com o jornal Folha de S.Paulo de sua casa em Paris, na França, sobre redução do aquecimento global, consequências da crise do clima nas populações mais vulneráveis e o futuro do Brasil.
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Pergunta - Recentemente, a Oxfam França conseguiu uma vitória histórica para o combate à crise do clima na França. Como foi essa batalha e quais as implicações práticas dessa vitória?
Cécile Duflot - Há três anos lançamos uma campanha em conjunto com outras ONGs para tentar conscientizar o governo a agir à altura da urgência climática. Ao perceber que a conscientização somente não ia trazer efeito, iniciamos o processo judicial, nos perguntando durante todo o tempo se esta era de fato a melhor forma de ação, que não havia chance de ganhar e em menos de dois meses conseguimos colher 2,3 milhões de assinaturas em apoio à campanha e ganhamos com ampla vantagem.
Agora, não somente o estado francês será obrigado a reparar as emissões históricas de gases estufa, mas também os governantes futuros devem agir segundo o Acordo de Paris. É uma obrigação que não recai somente no governo atual, mas na França como república. O próximo passo será, no final de 2022, aumentar o orçamento para redução de emissões de gases de efeito estufa, permitindo assim um controle melhor das mudanças climáticas.
A senhora acredita que a União Europeia, pós COP26, vai restringir suas relações com países que não cumpriram o Acordo de Paris como o Brasil, por exemplo, para atingir os objetivos de redução de gases de efeito estufa?
CD - Não estamos tão otimistas assim porque a própria União Europeia não está em lugar favorável para ditar as regras. Há muito discurso em torno do clima, mas a única coisa que importa para conter o avanço da crise são ações, estas, tanto no território europeu quanto as que temos perante nossas relações comerciais ou diplomáticas com outros países, são fundamentais. É preciso, contudo, dar o exemplo, e a União Europeia não está fazendo isso direito, ela não cumpriu as obrigações do Acordo de Paris.
A crise climática é uma questão que deve ser enfrentada apenas pelo poder público ou deve haver um diálogo também com as empresas?
CD - O diálogo é fundamental e a Oxfam França trabalha nesse sentido, fazendo uma ponte com o setor empresarial para que entendam que reduzir as emissões hoje não é só um discurso ecológico, é uma questão central para as nossas vidas. E não só as empresas, os bancos também, porque os principais bancos mundiais estão entre os grandes emissores: três dos maiores bancos franceses emitem gases estufa oito vezes mais do que o setor industrial francês como um todo. Há um trabalho essencial com as empresas, com o setor financeiro e com a sociedade civil.
À época em que foi ministra de Habitação, quais foram os principais obstáculos que enfrentou, e como sua atuação no ministério foi diferente daquela como deputada no que diz respeito ao acesso à moradia e ao combate à crise climática?
CD - A questão do acesso à moradia é fundamental no nosso país. Foi e continua sendo o maior desafio, porque o custo de moradia na França está extremamente alto, e é algo que afeta a todos, dos mais pobres aos mais ricos. A fatia da renda familiar francesa que vai para pagar aluguel aumentou muito nos últimos anos.
Durante o seu governo, que foi eleito com base socialista, Hollande lançou uma campanha de construção de imóveis para desinchar o mercado [imobiliário] com uma cota mínima para habitações populares na França de 25% (antes era 20%), uma plataforma que teve muita resistência. Eu atuei intimamente ligada a esse projeto, mas deixei o governo com dois anos por um desacordo de ideias com o então presidente, que optou por não seguir em frente nesta luta.
O outro obstáculo estava ligado também às populações que moram em áreas diretamente afetadas pelas mudanças climáticas, e é preciso políticas direcionadas a elas que as ajude a se adaptarem frente a uma situação de crise, seja ambiental, seja econômica.
A crise climática afeta os mais pobres, foco de ação da sua ONG. Como a Oxfam França age para ajudar essas famílias? A senhora acredita que seu trabalho na ONG atinge melhor o objetivo de reduzir as desigualdades no acesso à moradia e à terra?
CD - Nós trabalhamos na ONG em diversas frentes simultaneamente. Em primeiro lugar, nós nos preocupamos não só com as causas do aumento de gases de efeito estufa na atmosfera, mas também com as consequências ligadas à crise climática e à desigualdade, uma vez que os efeitos do aquecimento global estão intimamente relacionados às questões territoriais e de condições de vida.
Hoje, a fome está crescendo de maneira acelerada na região subsaariana devido ao avanço da desertificação. Outras regiões do mundo também estão enfrentando a seca, e suas consequências estão diretamente ligadas ao acesso a alimento. Precisamos com urgência reduzir os gases estufa se não quisermos ir em direção a um cenário extremamente preocupante.
Além disso, são as pessoas que vivem em condições de maior vulnerabilidade que precisam de uma atenção especial, e elas não são responsáveis pelo grosso das emissões: os 50% mais pobres do mundo emitem 10% dos gases de efeito estufa na atmosfera. Meu papel hoje como diretora de uma ONG permite que a preocupação com o clima saia do debate no Congresso para atuar diretamente com a população.