<p>SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Embaixo do viaduto Antônio Paiva de Monteiro, no bairro do Belém, na zona leste de São Paulo, a ajudante de cozinha Miriã Ruiz, 34, vive com o marido e o filho, de 1 ano, há cerca de dois meses.

</p><p>Assim como as outras famílias dali, eles moram em uma casa construída com tapumes, pedaços de madeira, telhas e alguns sacos de lixo, que ajudam a evitar vazamentos. O casal divide uma cama de solteiro, enquanto a criança dorme em um berço que ocupa grande parte do barraco.

</p><p>Paraguaia, Miriã veio para o Brasil há cerca de 15 anos. Morou a maior parte deles em um povoado em Foz do Iguaçu, no Paraná. Mudou-se há dois anos para São Paulo, onde conheceu o marido. No início da pandemia, o casal foi para o Guarujá, no litoral paulista, onde, com o auxílio emergencial, conseguiram pagar o aluguel de R$ 200 até dezembro. Depois disso, sem o dinheiro do governo, tiveram que entregar a casa.

</p><p>Ouviram rumores de que novas parcelas do auxílio seriam aprovadas, mas precisaram procurar outra alternativa. "A gente não tinha como esperar. Criança pequena com fome não espera", diz ela.

</p><p>A nova rodada do auxílio emergencial começou a ser paga em abril, com parcelas de R$ 150 para pessoas que moram sozinhas, R$ 250 para famílias e R$ 375 para mães solo. Considerando o valor que Miriã pagava de aluguel, sobrariam R$ 50. Ela conta, porém, que esse valor não seria suficiente nem para o leite do filho.

</p><p>A opção foi tentar a vida em São Paulo. Na capital, de uma ocupação em um porão, que ela não se lembra onde era, foram parar embaixo do viaduto. "Aqui, pelo menos, tem ar fresco e ele consegue brincar", diz, apontando para as outras crianças, um pouco mais velhas do que seu filho.

</p><p>Ao lado de sua casa, mais um barraco começa a ser construído. Diferentemente dos outros que já estão de pé, a nova família deixou no espaço tijolos e outros materiais de alvenaria, dando a entender que sua permanência pode não ser tão passageira.

</p><p>As famílias que vivem embaixo do viaduto dividem o espaço que um dia foi ocupado por pedras instaladas pela Prefeitura de São Paulo para evitar a presença de pessoas em situação de rua ali.

</p><p>Diante da má repercussão e da luta do padre Julio Lancellotti em um outro viaduto da zona leste, quatro dias depois as pedras foram removidas, abrindo espaço para eles se abrigarem. Segundo a prefeitura, a decisão foi tomada de forma unilateral por um servidor, exonerado dias depois.

</p><p>Mais gente O Censo da População em Situação de Rua de 2019, realizado pelo governo municipal, estima que 24.344 pessoas vivam nessas condições. Dentre elas, 8,8% ocupavam viadutos. A região da Subprefeitura da Mooca, onde vive Miriã, é o segundo lugar com mais pessoas nesta situação (835).

</p><p>Com o recrudescimento da pandemia, porém, acredita-se que este cenário se agravou, levando famílias inteiras às ruas da cidade, mudando também o visual de São Paulo.

</p><p>Em frente à casa de Miriã, vive João Victor de Oliveira, 25, a mulher, Leticia Tamiris Alves da Silva, 18, e a filha, Emanuelle Maria, de 1 ano. Há cerca de dois meses, se mudaram de Itaquera para o local, batizado de Comunidade do Belém. Ele queria um espaço que tivesse, ao menos, uma cobertura e, por isso escolheu o viaduto.

</p><p>"Eu perguntei se tinha um espaço aqui para ficar com minha esposa e minha filha e eles logo deixaram", conta João.

</p><p>A mudança foi repentina: tiveram que deixar o imóvel em que moravam quando ele perdeu o emprego na construção civil --ganhava R$ 2.000 por mês.

</p><p>Hoje, os três dormem em um colchão de casal no chão e dependem de doações para sobreviver. O pouco que conseguem vendendo sucatas é usado para as necessidades da filha.

</p><p>A dez quilômetros dali, na avenida Amaral Gurgel, embaixo do Minhocão, na Santa Cecília, o casal José Ribeiro Souza Júnior, 39, e Cecília Cabrini, 40, vivem com a cadela Amora em uma tenda com o interior de lona preta.

</p><p>Batizada de "casa suspensa", a barraca possui fios de aço presos da lona ao teto do viaduto para dar sustentação. Quem passa pela região é impactado por sua arquitetura, que se destaca em meio às vizinhas.

</p><p>A instabilidade do casal com moradia começou em março do ano passado, quando um incêndio atingiu a comunidade em que José e Cecília moravam no bairro do Limão.

</p><p>Só depois de receber a primeira parcela do auxílio emergencial conseguiram alugar um espaço no centro. A segunda parcela, porém, foi bloqueada e, eles, despejados. A alternativa foi morar na rua. "Sem dinheiro para pagar o aluguel, a gente não teve outra opção", conta José.

</p><p>Há cerca de um ano, vivem à base de doações de alimentos, livros e ração para a cachorra. Em outubro de 2020, José foi atropelado por uma motorista que atravessou o canteiro central onde fica sua barraca e o arrastou por cerca de seis metros. Quebrou seis costelas, cinco vértebras e colocou três pinos na bacia. Por causa do acidente, hoje, anda de cadeira de rodas --também doada.

</p><p>Ao lado de José e Cecília, há outras duas barracas, onde dormem três pessoas. "A gente vai se ajudando também", diz Cecília.

</p><p>Questionada, a Prefeitura de São Paulo respondeu em nota que criou, por meio da Smads (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social), 1.969 vagas para pessoas em situação de rua, sendo 250 delas em um Centro de Acolhida Especial para Famílias. Do total, 1.297 estão em funcionamento. A prefeitura não respondeu se existe algum trabalho de mapeamento dessas famílias.

</p><p>Um dos locais em que também estão os moradores de rua é embaixo de um viaduto na Radial Leste, na região do Brás. Desde 2015, o espaço é mantido pelos moradores com apoio da Pastoral do Povo da Rua. Ali as pessoas são acolhidas com cama limpa, banho quente e duas refeições --por dia, são distribuídas 150 quentinhas.

</p><p>Foi lá que Luana Pereira, 37, e Alexandre Cabral, 34, encontraram abrigo quando foram despejados da pensão em que moravam no Belém, em fevereiro deste ano. Sem emprego e com o fim do auxílio emergencial, foram acolhidos nas áreas comunitárias divididas por gênero. Só nesta semana conseguiram um barraco, doado por um dos moradores.

</p><p>Ganhar um barraco para não dormir separados, já é, para eles, o começo de uma mudança. A esperança é, em breve, recuperar os empregos e retomar a vida que foi deixada para trás por conta da pandemia.

</p><p>"Nós temos fé que uma hora as coisas vão abrir e tudo vai voltar ao normal", diz Luana.

</p><p>Desde que se mudaram para lá, a cozinheira e o frentista têm trabalhado na cozinha, como forma de contribuir para a comunidade. "Essa, agora, é a nossa família, então, nós fazemos tudo pelo coletivo."</p>