SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Professor universitário e estudioso da história do movimento negro, Deivison Moacir Cezar de Campos está movendo uma ação na Justiça contra a Fundação Cultural Palmares, alegando que a instituição usou indevidamente um trecho de sua dissertação de mestrado no relatório do ano passado em que o órgão justifica o expurgo de livros de sua biblioteca.

Em seu mestrado, Campos estudou como o Grupo Palmares de Porto Alegre foi um dos articuladores da data que se tornaria o feriado de 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, ainda durante os anos da ditadura militar.

O trecho em questão está no resumo de sua dissertação e foi reproduzido na página 19 do relatório da fundação, intitulado "Retrato do Acervo: Três Décadas de Dominação Marxista na Fundação Cultural Palmares".

"Ao afirmar-se e organizar-se como grupo etnico, adotam uma postura e um discurso subversivo que coloca em cheque [sic] conceitos estruturantes da sociedade brasileira como democracia racial, identidade e cultura nacional", diz o trecho, em referência ao Grupo Palmares.

As frases aparecem no relatório num contexto que põe o Grupo Palmares contra o Estado, afirmando que o coletivo era "um movimento datado, de mentalidade revolucionária e marxista".

"Em nenhum momento eu trabalhei nessa perspectiva, pelo contrário. Tento constituir como a ideia do 20 de novembro vai se afirmar e como se dá o diálogo com a conjuntura ditatorial. Durante o texto, mostro que o Grupo Palmares operou permanentemente na esfera legal, permitida pelo Estado. Tanto é que as atividades sempre tinham autorização na Polícia Federal e acompanhamento do Dops", diz o professor, em conversa por telefone.

Segundo Campos, o uso do trecho é indevido e descontextualizado, e suas ideias foram distorcidas. Ele diz não querer ter sua produção intelectual associada ao relatório da fundação e afirma que não é contra a instituição, mas sim contra a atual gestão. O trecho foi usado sem a sua autorização.

A reportagem entrou em contato com a Palmares, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.

A ação corre na Justiça do Rio Grande do Sul desde meados do ano passado. O professor pede a retirada do trecho de sua autoria do relatório, a publicação de uma nota sua no site da Palmares explicando os fatos e uma indenização de R$ 50 mil por danos morais. Ele havia solicitado tudo isso em caráter liminar, ou seja, urgente, mas o pedido foi negado nesta semana e segue o ritmo normal.

A fundação, atualmente sob controle de Sérgio Camargo, que se define como negro de direita, pretendia excluir metade de seu acervo de quase 10 mil livros, um conjunto de obras "pautadas pela revolução sexual, pela sexualização de crianças, pela bandidolatria e por um amplo material de estudo das revoluções marxistas e das técnicas de guerrilha", segundo o relatório.

A lista do expurgo, que acabou barrado pela Justiça, continha obras de Marx, Engels e Lênin, Max Weber, Eric Hobsbawn, H. G. Wells, além dos brasileiros Celso Furtado, Marco Antônio Villa e Marilena Chauí. Segundo Camargo, as obras agora estão numa sala chamada acervo da vergonha.