Organização de atos contra Bolsonaro vive impasse com debates sobre público, novos apoios e violência
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terça-feira, 06 de julho de 2021
JOELMIR TAVARES E CAROLINA LINHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após uma sequência de três manifestações em 35 dias, o grupo de movimentos sociais e partidos que convoca atos de rua contra o presidente Jair Bolsonaro enfrenta impasses para manter a participação popular, atrair novas camadas e ampliar o escopo de apoios para além da esquerda.
A rejeição à chegada de forças à direita foi simbolizada no sábado (3) pelas agressões de militantes do PCO a filiados do PSDB na capital paulista, que se juntaram pela primeira vez aos protestos. Tratado como episódio isolado, o caso ainda não mereceu resposta oficial dos organizadores.
O tema deve ser debatido ao longo da semana em reunião da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, fórum pró-impeachment que agrupa as instituições envolvidas, como as frentes Povo sem Medo, Brasil Popular e Coalizão Negra por Direitos e os partidos PT, PSOL, PC do B, UP e PCO, entre outros.
Escoradas no argumento de que o protesto de sábado foi preparado às pressas para aproveitar a temperatura política diante das denúncias de corrupção na compra de vacinas contra a Covid-19, líderes das entidades minimizam o esvaziamento de parte dos atos e dizem não perseguir recordes.
Na avaliação mais otimista, o ato em São Paulo manteve a quantidade de participantes da manifestação anterior, em 19 de junho. Segundo a organização, foram 100 mil. A Secretaria Estadual da Segurança Pública estimou em 5.500 o número de pessoas na avenida Paulista, ante 9.000 em junho.
O discurso da campanha é o de que, embora possam ter ocorrido oscilações de público em algumas cidades (para mais ou para menos), a capilaridade foi preservada, com movimentações em todas as capitais.
Segundo o fórum, os 352 atos no Brasil e 35 no exterior mantiveram a pressão sobre o Planalto e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a quem cabe dar início a um processo de impeachment. Em junho, foram 426 atos em 407 cidades no Brasil e 19 cidades no exterior.
"Por ser um ato convocado em uma semana, foi muito positivo em termos de cidades e participação", diz Raimundo Bonfim, que coordena a CMP (Central de Movimentos Populares) e integra a frente Brasil Popular. "Criamos um fato político significativo, indo às ruas continuadamente, em plena pandemia."
A previsão anterior era a de que os protestos voltassem a acontecer somente em 24 de julho, mas a data extra foi fechada em reunião emergencial em 26 de junho, motivada por denúncias reveladas pelo jornal Folha de S.Palo e que ganharam impulso com as investigações da CPI da Covid no Senado.
A mobilização do dia 24 está confirmada e deve ser antecedida por ações descentralizadas das entidades. O intuito é estimular a participação de classes sociais mais baixas, vistas com menos frequência nas marchas, mesmo sendo, para líderes de esquerda, as maiores prejudicadas pelo governo.
A ainda tímida pluralidade no perfil dos manifestantes é um aspecto discutido nos bastidores. O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) vem apontando a necessidade de arregimentar moradores de periferias e assalariados, para que os atos não fiquem restritos à classe média.
"Achei mais diverso desta vez", afirma Raimundo. "Tinha mais gente da periferia e de grupos organizados, como juventude e sindicatos. Estava mais popular do que o do dia 19", segue ele, acrescentando que os organizadores perseguem "um salto de qualidade", não necessariamente de quantidade.
"Vi uma participação popular muito grande, famílias inteiras", diz a presidente do partido UP no estado de São Paulo e porta-voz da coalizão Povo na Rua, Vivian Mendes. "É um sinal de que o povo está querendo ir para as ruas e o quanto antes derrubar esse governo, principalmente perante as novas denúncias."
Os atritos provocados pela adesão de forças ao centro e à direita também estão na pauta. O apoio mais barulhento e controverso até aqui foi o do diretório paulistano do PSDB. Alas internas e líderes de partidos como PDT, PSL e Cidadania já haviam anunciado apoio às convocações, sem maiores traumas.
Embora a avaliação majoritária seja a de que concordar com a saída de Bolsonaro seja a única condição para que uma organização se some ao fórum, representantes de movimentos e de legendas lembram que outras bandeiras também são empunhadas, como a crítica às privatizações e reformas do governo.
No caso dos tucanos, um dos pontos de discórdia dentro da campanha se deu em torno da autorização para que o presidente do diretório, Fernando Alfredo, pudesse discursar no carro de som principal. Diante do receio de que o gesto pudesse fomentar rachas, decidiu-se por evitar o risco, ao menos por ora.
Alfredo afirmou à reportagem que a violência foi isolada e que, vestido com uma camiseta do PSDB, ele não sofreu hostilidades. O líder tucano diz que continuará frequentando atos de esquerda e que o diretório paulistano do PSDB apresentará um pedido de impeachment.
Segundo Vivian, porta-voz da coalizão Povo na Rua, a causa do "fora, Bolsonaro" é a prioritária, mas "as bandeiras neoliberais" também estão na mira dos manifestantes.
"Nós [da UP] trabalhamos para que as forças [de direita] não tenham voz nas ruas. A rua é de todos, mas vamos nos esforçar para que elas não tenham fala ou protagonismo. A esquerda conseguiu mobilizar, com muito custo, e depois vai jogar no colo da direita? Isso é absurdo."
Para Raimundo, que é filiado ao PT, "a campanha tem, sim, que aparar arestas e enfrentar o desafio de dialogar com outros setores, mesmo aqueles com os quais há divergência".
Grupos à direita como o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR (Vem Pra Rua), que capitanearam manifestações contra governos do PT e em favor da Operação Lava Jato, até aqui se mantêm fora da convocação, apesar de assinarem pedidos de impeachment.
O MBL afirma que, em conjunto com outras forças da direita antibolsonarista, marcará atos de rua que sejam atraentes para eleitores de perfil conservador e arrependidos do voto no presidente. O movimento diz que levará em conta o avanço da vacinação e as condições da pandemia para divulgar a data.
O movimento destaca ainda que não será contrário à participação de apoiadores da esquerda.
A reação violenta de membros do PCO --que, segundo os relatos, atingiram também gente de esquerda que tentou conter as agressões-- foi vista dentro da campanha como um fato negativo, que pode afastar participantes das próximas marchas e inibir a diversidade ideológica.
Para Antonio Carlos, dirigente do PCO, não há espaço para que outros grupos da mobilização censurem a participação de seus militantes. "Seria uma usurpação dos direitos no que diz respeito a cada organização", diz à reportagem.
Os principais líderes de partidos de esquerda não comentaram a briga nas redes sociais.
Por outro lado, há a interpretação de que situações que fujam ao controle podem ocorrer à medida que os protestos se tornarem mais amplos. Os ataques a agências bancárias e a pontos de ônibus e os conflitos com agentes de segurança no fim do ato em São Paulo também repercutiram mal.
O próprio Bolsonaro, que desde maio vem se empenhando na deslegitimação das manifestações, buscando vinculá-las ao seu maior rival para as eleições de 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), usou as cenas de vandalismo como pretexto para revidar os detratores.
"Acho que o melhor é o diálogo, entrar no entendimento com o PCO de que a forma como eles agiram não ajuda a campanha, não fortalece a causa", avalia Raimundo. "Sectarismo e vandalismo podem atrapalhar o processo de ampliação necessário para avançar a mobilização."
"O grande problema das manifestações não são os meninos que quebraram vidraças, mas o fato de que os protestos não estão parando o país", diz Vivian. "Como se fosse comparável a quebra de uma vidraça com as mais de 500 mil mortes encaminhadas por um Estado genocida. Não é."
A dirigente da UP, no entanto, ressalva: "Essas ações feitas de forma isolada não são o elemento fundamental que a gente precisa para avançar em relação ao impeachment. Mas o que pode prejudicar o movimento não é isso, é só se as forças políticas deixarem de botar peso nas ruas".
O PCO faz parte da campanha Fora Bolsonaro. O coletivo deve adotar um posicionamento sobre a confusão em uma reunião nesta semana. Nos bastidores, há desde a posição de que o partido deveria ser expulso até os que defendem diálogo para convencer a sigla a impedir violência de seus integrantes.
Para Antonio Neto, que participa da convocação como presidente municipal do PDT na capital paulista e presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), o episódio de agressão não será determinante no futuro da iniciativa.
"Infelizmente, foi um erro desses companheiros do PCO, fazer um papel de achar que sozinha a extrema esquerda vai conseguir derrubar Bolsonaro. Para que tenhamos o impeachment, cabe todo o mundo que estiver lutando pelo país", diz.
"Para nós, foi um prazer ver que o PSDB da capital veio para o jogo. Seria ótimo que todos os partidos viessem, para que a gente acabasse com esse momento ruim, de um presidente marcado pelo descontrole e, agora, pelos indícios de corrupção. É necessária a mais ampla unidade que possamos construir."

