MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Como conciliar, numa campanha eleitoral e numa coalizão de governo, aliados tão díspares quanto liberais e verdes, conservadores e sociais-democratas? Petér Márki-Zay, líder da candidatura de uma inédita frente única de oposição ao premiê húngaro Viktor Orbán, reconhece as dificuldades. "Mas se tem uma coisa que me amedronta mais do que ter um governo diverso e dividido é Orbán continuar a governar esse país."

As eleições parlamentares na Hungria serão realizadas no próximo dia 3. Orbán está no quarto mandato (o terceiro consecutivo desde 2010) e enfrentará o prefeito da pequena Hódmezövásárhely (pronuncia-se Hôdmeizurvasharhei).

Márki-Zay explica que, acima das diferenças, o que une a oposição no pleito é a necessidade de recuperar valores como liberdade de imprensa e Estado de Direito. "Todo mundo quer voltar ao normal. A saída desse cenário em que Orbán colocou a Hungria não é para a esquerda ou para a direita, mas para fora", diz, em entrevista coletiva a jornalistas internacionais que a Folha de S.Paulo acompanhou nesta quinta (24) -também fizeram perguntas profissionais de EUA, Espanha, Alemanha, Bélgica e Inglaterra.

Conservador, cristão, sem filiação partidária e pai de sete filhos, ele critica as condições da campanha, devido ao controle da mídia e das redes sociais exercido por Orbán, e denuncia o risco de fraudes. A última pesquisa do instituto Republikon, dos dias 16 e 18 de março, indica uma disputa apertada: o Fidesz de Orbán, tem 41% das intenções de voto, dois pontos percentuais à frente da frente única Unidos pela Hungria, com 39% -16% se disseram indecisos.

"Orbán teve que ir tão longe quanto o Brasil para encontrar alguém que o apoiasse", afirmou, em referência à visita recente de Jair Bolsonaro (PL) a Budapeste. "Não acho que o Brasil esteja se beneficiando muito dessa amizade, mas cabe a vocês decidir."



PERGUNTA - Pesquisa recente mostrou que a maioria dos húngaros pensa que deve haver neutralidade entre Rússia e Ucrânia, o que parece ressoar a ambiguidade de Orbán. O sr. assumiu uma posição mais clara, de que é preciso ficar do lado do Ocidente. Como está a disposição dos eleitores?

PETÉR MÁRKI-ZAY - Orbán está sempre medindo a opinião pública. Ele tem uma máquina de propaganda, inclusive nas redes sociais, em que controla tudo, pagando anúncios, impulsionando suas mensagens, usando todo tipo de tática. Também a chamada "mídia independente" está sob a influência de Orbán.

Ele está jogando com os desejos de paz do povo húngaro. Todo mundo quer a paz, e ele está escondendo fatos importantes -a guerra não foi uma escolha do povo ucraniano. Não é possível ter uma posição equidistante entre um agressor e uma vítima.

Enquanto digo que a Hungria só pode estar protegida sob a Otan, que temos de ser um membro confiável e leal da comunidade ocidental, ele diz que mandaremos crianças sem treinamento para morrer na guerra. Orbán nos ataca pela intenção de enviar armas para a Ucrânia, mas ao mesmo tempo vota para isso na União Europeia. É o jogo sujo que ele faz.

P. - Como primeiro-ministro, o sr. aprovará sanções sobre o petróleo e o gás russos?

PZ - Apoiaremos sanções em muitos campos, não necessariamente petróleo e gás. Muitos países europeus, não só a Hungria, o fazem. A Hungria depende do gás russo, não podemos apoiar o banimento da importação no momento. Mas se a comunidade internacional for capaz de ajudar a assegurar reservas de gás natural...

Esse é nosso ponto e é o que Orbán está dizendo. A Rússia precisa de dinheiro, a Europa precisa de gás, então provavelmente não será uma área para sanções. Mas, sobre todas as outras, Orbán relutou, e nós definitivamente vamos concordar com toda e qualquer sanção que evite a continuidade da guerra.

Por que o apoio de Orbán a Vladimir Putin não está repercutindo contra ele nas pesquisas? Porque ele faz lavagem cerebral. E é o maior pragmático de todos. Ele começou a carreira no movimento comunista jovem, depois continuou como político liberal, que apoiou direitos LGBTQIA+, daí se tornou conservador. Anti-Putin, pró-Europa -foi o premiê quando a Hungria entrou para a Otan [1999]. Eu o apoiei em 2010 e, depois disso, ele mudou de novo, se tornando pró-Putin e antieuropeísta. Uma virada de 180 graus. Para ele, é uma questão pragmática, para manter seu poder e sua riqueza.

P. - Na campanha, de um lado o sr. enfatiza valores conservadores, como o fato de ser cristão e ter sete filhos. De outro, destaca políticas mais à esquerda como o fortalecimento da proteção de minorias. Não é um perigo os eleitores não entenderem o que o sr. realmente defende?

PZ - Nós estamos sob ataque dos dois lados. Tenho sido criticado por ser de esquerda e por ser de direita. Representamos uma aliança de seis partidos e eu não faço parte de nenhum deles. A união da oposição é uma frente nacional que construímos contra Orbán e contra a corrupção. E isso é o mais importante. Há um político corrupto que não tem nenhuma ideologia. Temos que derrotá-lo.

P. - Como vê as chances de uma coalizão tão ampla conseguir governar?

PZ - Não tenho dúvida de que será difícil. Mas se tem uma coisa que me amedronta mais do que ter um governo diverso e dividido é Orbán continuar a governar esse país. Estamos prontos para governar com todos esses partidos, fomos bem-sucedidos em colocar de pé nosso programa eleitoral. Não foi fácil, mas também não foi tão difícil.

Quando se tem repressão, pobreza, sem liberdade de imprensa e sem Estado de Direito, quando há uma ditadura --todo mundo quer liberdade, quer voltar ao normal. A saída desse cenário em que Orbán colocou a Hungria não é para a esquerda ou para a direita, mas para fora. Temos que sair da ditadura. E isso é um programa conjunto, tanto faz se você é social-democrata, liberal ou conservador ou verde.

Você quer viver num país democrático, que pertença à União Europeia. Esses são valores básicos comuns a todos nós. Nosso programa é recuperar esses princípios e para isso fazemos um esforço. Mais tarde será a hora de discutir se tributação progressiva é melhor, onde investir mais ou menos etc.

P. - Além do controle de mídia por Orbán, há outros fatores que o impedem de ter uma disputa equilibrada?

PZ - Não haverá eleições livres e justas na Hungria, não importa o que aconteça. É um sinal de milagre que a gente tenha alguma chance de derrotar Orbán. Temos fraude eleitoral institucionalizada. Na Romênia, de onde acabei de voltar, ativistas do Fidesz estavam organizando milhões de cédulas. Na Sérvia, não é o correio que entrega cédulas, mas sim ativistas políticos do Fidesz --não é possível assegurar que as cédulas serão distribuídas e coletadas de forma independente. Temos relatos de que o Fidesz registrou centenas de milhares de eleitores nesses dois países, e há rumores de negociação de compra de votos.

No entanto, o maior problema é a mídia. Não conseguimos nem mesmo espaço publicitário. Temos talvez 10% do dinheiro do Fidesz, mas temos recebido doações e queríamos comprar mais espaço, como outdoors; as empresas não vendem para a gente porque temem intimidação. A campanha de vacinação contra a Covid-19 exigiu cadastramento por email. E as pessoas passaram a receber mensagens políticas, pró-governo e contra a oposição. O governo foi multado pela Suprema Corte, mas a Corte Constitucional, com aliados do Fidesz, anulou essa decisão.

É uma lavagem cerebral que atingiu o maior nível histórico. As coisas pelas quais sou criticado não são verdadeiras, e os eleitores não sabem realmente as coisas que Orbán faz. É muito difícil chamar isso de democracia ou Estado de Direito. Num país de 10 milhões de pessoas havia uma única rádio FM de oposição, em Budapeste, e a licença foi tirada um ano atrás.

P. - E o que a UE deveria fazer sobre isso?

PZ - Orbán está tendo problemas econômicos. Teve que fazer mudanças no Orçamento, para introduzir isenção e descontos de imposto para os mais jovens e famílias, aumento de salários, congelamento de preços de energia e gás. Ele está com medo, e o custo é enorme para a economia. Ele está confiante nos recursos da UE, mas a UE não os está repassando. Espero que o bloco possa forçar Orbán a enfraquecer sua ditadura. Ele está usando os recursos da União Europeia para si próprio.

P. - Se eleito, qual será sua abordagem em relação ao Brasil e a Bolsonaro, aliado de Orbán que recentemente visitou seu país? O sr. se manifestaria sobre a eleição no Brasil? Não acho que deva decidir o destino do povo brasileiro. Eu apoio o Brasil, seu desenvolvimento político e econômico, e tenho certeza de que todos os brasileiros querem viver em uma sociedade livre. Não quero influenciar as eleições.

PZ - Orbán está bastante isolado no cenário internacional. Seus últimos aliados na Europa eram Eslovênia e Polônia, e até eles deram as costas para Orbán, por causa do apoio a Putin e da relutância em ajudar a Ucrânia. Ele votou pelas sanções e pelo armamento para a Ucrânia, mas sempre no último momento, sob pressão. Orbán sempre esteve a serviço de Putin, é seu fantoche. É um traidor da Otan e da UE.

Ele está isolado e teve que ir tão longe quanto o Brasil para encontrar alguém que o apoiasse. Não acho que o Brasil esteja se beneficiando muito dessa amizade, mas cabe a vocês decidir. Alguém que é um traidor da Europa e da comunidade internacional, o chefe de governo e de Estado mais corrupto da história da Hungria. Ele é bom sinal para Bolsonaro? É uma coisa boa ser amigo do Orbán, um oligarca corrupto? Acho que não é útil para Bolsonaro também.