SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O mais conhecido opositor do governo Vladimir Putin, Alexei Navalni, foi considerado culpado em um novo julgamento realizado nesta terça-feira (22), em Moscou. Ele pegou mais 9 anos de cadeia —já cumpre uma sentença de dois anos e meio desde 2021.

Navalni, 45, foi condenado pela acusação de fraude e desrespeito à Justiça. O primeiro crime teria ocorrido, segundo a Procuradoria russa, ao longo de anos em que sua Fundação Anticorrupção recebeu doações para fazer projetos de denúncia de malfeitos de políticos e organizar protestos contra o Kremlin.

Seus advogados, um dos quais havia sido detido e depois solto nesta terça, disseram que vão recorrer e acusam o julgamento de ser uma farsa política.

Segundo os procuradores, Navalni embolsou US$ 4,7 milhões (R$ 23,2 milhões) no processo. O valor foi reduzido, ao longo do julgamento, para apenas 2,7 milhões de rublos (R$ 128 mil), mas apenas a definição da sentença dirá qual foi o entendimento da juíza Margarita Kotova.

Ela também considerou o ativista culpado por desrespeito à corte por seu comportamento durante o julgamento. Ele ocorreu dentro de uma corte improvisada na própria colônia penal em que Navalni cumpre pena, em Pokrov, 100 km a leste de Moscou. Ele foi multado em 1,2 milhão de rublos (R$ 57 mil).

Navalni foi preso em janeiro de 2021, após voltar de tratamento na Alemanha devido ao envenenamento que sofrera em agosto de 2020 na Sibéria. Ele acusou o FSB (Serviço Federal de Segurança, principal sucessor da KGB) e Vladimir Putin, que fez graça, dizendo que, se a agência quisesse matá-lo, o teria feito.

Ao chegar à Rússia, teve seu avião desviado para outro aeroporto de Moscou e foi preso ao desembarcar. O motivo alegado é de que ele, que estava em coma, ao deixar o país violava a liberdade condicional da sentença suspensa de um outro julgamento —que Navalni também diz ser meramente perseguição política.

Assim, foi detido e levado para longe da capital. Fez greve de fome e, segundo aliados, quase morreu. Agora, sua porta-voz, Kira Iarmich, disse no Twitter que a nova sentença "não é sobre a liberdade de Navalni, mas sobre sua vida". "Putin tem medo da verdade, como sempre digo. A luta contra a censura, levando a verdade ao povo da Rússia, segue sendo nossa prioridade", disse Navalni em tuítes publicados em sua conta por aliados.

O Fundo Anticorrupção, que sempre fez segredo sobre seu financiamento, foi declarado "entidade extremista" e fechado pelas autoridades russas no ano passado. O mesmo ocorreu com a ONG de direitos humanos Memorial, que nesta terça teve o fim de suas atividades confirmado pela Suprema Corte.

A condenação ocorre em meio à onda de repressão interna na Rússia devido à guerra na Ucrânia. O conflito tem de ser chamado de "operação militar especial" pela mídia, e qualquer pessoa pode pegar até 15 anos de cadeia se for considerada responsável por disseminar fake news sobre a ação ou sobre as Forças Armadas.

O movimento tornou o trabalho da imprensa, que já era tolhido, quase impossível. Meios independentes como a TV Chuva e a rádio Eco de Moscou fecharam as portas, e o último jornal de linha editorial livre, o Novaia Gazeta, parou de publicar sobre a guerra em protesto. Jornalistas e ativistas deixaram o país, no que Putin chamou de "purificação natural". Para ele, todos que se opõem ao conflito são "traidores".

"Essa decisão perturbadora é outro exemplo da crescente repressão ao dissenso e à liberdade de expressão do governo russo, que procura esconder a guerra brutal na Ucrânia", disse Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado americano.

Navalni surgiu na cena política russa em 2012, nos protestos de classe média que pela primeira vez questionaram o poder de Putin, então reeleito para um terceiro mandato. Foi candidato a prefeito de Moscou, com boa votação, e em 2017 começou a liderar atos gigantescos em todo o país, organizados de forma dispersa, pela internet.

Tentou transformar o ativismo em prática eleitoral, defendendo candidatos de qualquer partido que não fosse o de sustentação do Kremlin, o Rússia Unida. Obteve alguns sucessos locais e tentou viabilizar sua candidatura a presidente, em 2018, mas foi impedido pela Justiça por ter a condenação anterior.

A repressão que se abateu sobre a oposição a partir de 2019 e 2020 selou seu destino, simbolizado na cadeia em 2021 —os últimos grandes atos contra Putin na Rússia foram na esteira de sua prisão, sendo abafados pela polícia. Desde o início da guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro, 15 mil pessoas foram detidas por protestar contra o conflito, mas soltas em seguida.

Navalni, curiosamente, nunca foi muito popular: não atingiu mais de 5% de intenções de voto para o Kremlin. Mas pesquisas recentes davam um apoio algo maior à sua causa, entre 15% e 20%.

Seu Fundo Anticorrupção agora trabalha do exílio, principalmente de países bálticos, publicando investigações que muitas vezes soam panfletárias e, até por sua natureza, praticamente impossíveis de provar. Na segunda, divulgou uma apuração ligando um superiate de US$ 700 milhões (R$ 3,5 milhões) registrado numa offshore nas ilhas Marshall a Putin, dizendo que o barco é tripulado pelo FSB.