RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A Polícia Militar do Rio de Janeiro assumiu em documento interno que a morte do policial Leandro Rumbelsperger da Silva motivou a operação realizada no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), no último fim de semana. A ação resultou na morte de nove pessoas que, segundo a corporação, foram atingidas em confronto.

No sábado (20) pela manhã, depois que o sargento foi baleado durante patrulhamento na comunidade, 75 agentes das equipes Charlie e Delta do Bope (Batalhão de Operações Especiais) foram convocados para a operação. Relatório da polícia, ao qual a reportagem teve acesso, afirma que o objetivo da operação foi reprimir ações de ataque às viaturas policiais de serviço.

No documento, a Polícia Militar diz que, diante da morte do sargento, tornou-se "imperiosa" a atuação da unidade especial para restabelecer a ordem na área, identificar e prender os responsáveis pelo assassinato e providenciar a retirada em segurança dos policiais que permaneciam no interior da comunidade.

Não havia mandado judicial de prisão, ou de busca e apreensão. Segundo a Constituição Federal, a atribuição da Polícia Militar é realizar o policiamento ostensivo e garantir a ordem. Já à Polícia Civil cabe investigar infrações penais e identificar os autores.

Especialistas consultados pela reportagem afirmam que as chamadas "Operações Vingança" são comuns após a morte de um agente e estão ligadas à uma maior letalidade.

Dissertação de mestrado da pesquisadora Terine Husek, apresentada na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em 2017, mostra que, quando um policial é morto em serviço, as chances de um civil ser morto pela polícia no dia seguinte aumentam em 350%. Nos sete dias posteriores, em 125%. No mesmo dia, em 1.150%.

"A vingança é a motivação mais letal no que diz respeito às ações policiais. Elas normalmente terminam com cerca de quatro vezes mais mortos do que uma operação motivada por um mandado de busca e apreensão, por exemplo", afirma o sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense).

O "Relatório de término de operação policial em área sensível, durante a pandemia de Covid-19" passou a ser produzido pela polícia depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) restringiu para casos excepcionais as operações nas comunidades do Rio de Janeiro enquanto durar a pandemia.

O Supremo obriga que as operações sejam comunicadas ao Ministério Público, embora de junho a novembro do ano passado isso não tenha ocorrido em quase metade dos casos, como indicou relatório do Geni publicado pelo jornal Folha de S.Paulo nesta quarta-feira (24).

No documento interno, a corporação apresenta detalhes da operação, como data e hora, uso de blindados, número de agentes, objetivo e justificativa para a ação.

Entre os cuidados apontados pela polícia para reduzir o risco da operação, estão "o deslocamento ao local de operação de uma ambulância para socorro imediato de policiais e civis caso haja necessidade" e "a inserção de policiais com o conhecimento de primeiros-socorros nas patrulhas operacionais para realizarem atendimentos pré-hospitalares caso fosse necessário".

Os oito corpos encontrados no mangue ficaram ali por horas, desde domingo até a manhã de segunda-feira (22), quando moradores se mobilizaram para retirá-los. A corporação não isolou o local e não avisou a Polícia Civil e o Ministério Público sobre a existência dos corpos.

O documento também narra a atuação das equipes Charlie e Delta durante a operação e diz que ambas foram recebidas por disparos de arma de fogo do tráfico. "Iniciou-se uma resposta proporcional

a injusta agressão executada pelos marginais fortemente armados", afirma o relatório.

Testemunhas que participaram dos acontecimentos contaram à reportagem sua versão do que aconteceu ali, que diverge da narrativa de confronto alegada pela polícia.

Segundo esses relatos, policiais fizeram um churrasco, mataram ao menos três homens que não eram envolvidos com o crime, torturaram parte das vítimas e depois levaram duas mochilas de dinheiro, fuzis e pistolas que não estão entre as apreensões divulgadas oficialmente.

Ainda de acordo os relatos, os agentes teriam entrado no chamado Piscina's Bar no domingo (21) usando uma chave mestra e feito uma festa regada a cerveja e churrasco, deixando para trás escritos como "milícia Ecko" e os nomes do miliciano Tandera e da facção rival TCP.

Do lado interno do portão marrom, os presentes assinaram um recado com a alcunha de Delta, mesmo nome da equipe do Bope: "Obrigado pela recepção, ass: ? [delta] force, bonde do caça siri".