SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma nuvem de poeira vinda do deserto do Saara pode chegar ao Brasil nos próximos dias. O fenômeno lembra o episódio que aconteceu em 2020 e ficou conhecido como "Godzilla", por causa de sua grande proporção, atingindo a Costa Rica, na América Central.

Agora imagens de satélite do Copernicus (Programa de Observação da Terra da União Europeia) já capturaram que a nuvem atingiu Porto Rico e continua avançando pelo Atlântico em direção à América do Sul. As dimensões, no entanto, são menores do que as de dois anos atrás.

"É bastante comum essa pluma ser transportada pelo Atlântico, mas chegar à América do Sul e ao Brasil é um pouco menos frequente", afirma Marcia Yamasoe, professora e chefe do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP (Universidade de São Paulo).

Segundo ela, já existe um indicativo de que grande parte da poeira esteja desviando para o norte do planeta, mas mesmo assim ainda há indícios de que ela possa atingir parte do Brasil.

"Se chegar à América do Sul, vai ser uma quantidade bem pequena na região do Suriname e da Guiana Francesa. No Brasil, a quantidade seria bem mais ao Norte, no Amapá ou, no máximo, Belém, mas em concentrações bem baixas", explica.

Mark Parrington, cientista sênior do Serviço de Monitoramento Atmosférico do programa Copernicus, compartilhou nas redes sociais uma imagem de satélite em que é possível ver uma pequena porção da nuvem de poeira se aproximando da América do Sul e do Caribe.

Felizmente, mesmo que a nuvem chegue ao Brasil, ela deve ter poucos efeitos negativos, diz Yamasoe: somente algumas alterações na coloração no céu, caso o tempo esteja limpo e sem muitas nuvens.

"Se chegar, por exemplo, ao nascer ou ao pôr do sol, pode haver uma coloração mais avermelhada ou alaranjada. Pode ser mais intenso do que seria na ausência dessa poeira", conta.

Em relação a preocupações de saúde, a poeira não deve ter nenhum impacto negativo, segundo Yamasoe, e pode, na realidade, causar vantagens para a floresta amazônica porque "estudos já indicam que a poeira do Saara pode trazer fósforo, um nutriente essencial para a floresta".

Benefícios semelhantes, ela explica, são percebidos no oceano Atlântico, já que a nuvem comporta também ferro, elemento importante para a vida marinha.

Os malefícios da pluma são sentidos somente em regiões que estão mais próximas do deserto do Saara, como a costa africana. "Ela pode reduzir bastante a visibilidade, trazer problemas para a aviação e ainda pode ser que a poeira esteja muito baixa, trazendo problemas respiratórios para a população", afirma.

Esse fenômeno ocorre basicamente todo ano --quando se aproxima da América do Sul, normalmente é vista entre os meses de janeiro e maio.

A explicação para isso acontecer envolve uma série de fatores. Um desses é a posição que se encontra a zona de convergência intertropical, que forma nuvens na região do Equador, fazendo com que a poeira seja transportada para o hemisfério Norte ou para a América do Sul.

A movimentação da nuvem também depende das correntes de ar dos chamados ventos alísios, que vêm normalmente da região leste para a oeste.

Por fim, Yamasoe explica que características do clima, como umidade e circulação de ventos, impactam na quantidade de poeira que pode circular entre os continentes.

A pluma do Saara, apesar de sua origem distinta, tem uma forma de funcionar parecida com as tempestades de poeira que atingiram cidades no interior de São Paulo em 2021, esclarece ainda Yamasoe. Conhecidas como "haboob", elas ocasionaram transtornos para a população, levando, inclusive, a mortes.

"A origem dessa tempestade de poeira que foi vista em São Paulo não é a mesma lá da África, mas envolve fatores semelhantes: o tempo seco, praticamente sem chuva, e o solo sem cobertura vegetal. Isso facilita com que o vento mais intenso faça essa poeira levantar e ser jogada para a atmosfera", afirma.