SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Neste domingo, "No Ritmo do Coração" conseguiu uma façanha ao conquistar o Oscar de melhor produção. O filme com só três indicações teve 100% de aproveitamento e saiu ainda com as estatuetas de roteiro adaptado, para a também diretora Sian Heder, e ator coadjuvante, Troy Kotsur. Mas não foi dessa vez que a cerimônia premiou pela primeira vez uma produção original do streaming. Isso porque o filme não é exatamente uma produção da Apple TV+, apesar de ter seu selo no pôster.

Filmado antes da pandemia, entre agosto e outubro de 2019, o longa custou cerca de US$ 10 milhões. E quem dividiu essa conta foram as produtoras Pathé Films, Vendôme Pictures e Picture Perfect Federation. Mas foi durante sua passagem pelo Festival Sundance do ano passado que o filme causou burburinho.

Queridinho de crítica e público presentes no evento, o filme foi alvo de um leilão para sua distribuição, vencido pela Apple TV+. A empresa pagou US$ 25 milhões para ter o longa em seu catálogo --valor muito maior do que o negociado normalmente em festivais.

É diferente do que acontece com outras produções da Apple TV+ consideradas "originais" do streaming, como os recentes "O Canto do Cisne", com Mahershala Ali, ou "A Tragédia de Macbeth", com Denzel Washington --outro indicado na cerimônia.

"No Ritmo do Coração" já tinha outros acordos fechados com distribuidoras em diferentes cantos do mundo bem antes da exibição em Sundance. É comum que distribuidoras menores se arrisquem e comprem filmes ainda no roteiro, pagando um valor bem menor --mas entrando na loteria de ter adquirido um tesouro ou um pepino.

A Nordisk Film, por exemplo, foi uma das empresas que apareceram bem antes da Apple e, de acordo com o site especializado Indiewire, lançaria o filme nos países nórdicos.

No Brasil, "No Ritmo do Coração" foi lançado nos cinemas pela distribuidora Diamond, em setembro do ano passado. Já em janeiro deste ano, o longa chegou ao streaming pelo Prime Video, que negociou sua exibição em território nacional com a própria Diamond --a plataforma não revela até quando pode exibir a obra em seu catálogo. Nos Estados Unidos, sim, o filme já está na Apple TV+.

A vitória de "No Ritmo do Coração" foi na verdade mais uma derrota da Netflix, gigante do streaming que vem batendo na trave cada vez com mais força. O revés de "Ataque dos Cães" pode estar associado a um certo constrangimento entre os membros da Academia em entregar o maior prêmio da indústria do cinema para uma produção concebida para ser exibida no conforto do lar.

"Ataque dos Cães", da Netflix, começou a corrida do Oscar deste ano como principal favorito. Com 12 indicações, recorde do ano, o filme era o mais elogiado pela crítica, mas foi perdendo espaço e saiu da festa com apenas uma estatueta --para a diretora Jane Campion.

Dessa forma, "Ataque dos Cães" entra para uma lista não tão pequena de fiascos da Netflix no Oscar --em muitos casos, filmes superiores aos títulos consagrados.

Na edição de 2019, "Roma", de Alfonso Cuarón, reinava com os principais prêmios do ano, incluindo o Leão de Ouro no Festival de Veneza --época em que a Netflix entrou em rota de colisão com Cannes. No Oscar, no entanto, o apenas simpático "Green Book" saiu com a estatueta de melhor filme.

No ano seguinte, "O Irlandês", largou com dez indicações e o selo Martin Scorsese de qualidade; a lista para melhor filme ainda tinha o ótimo "História de um Casamento". Mas os títulos da Netflix viram o sul-coreano "Parasita" se tornar o primeiro longa de língua não inglesa a conquistar o Oscar principal --tirando o feito que deveria ter sido do mexicano "Roma".

No ano passado, com a temporada fartamente prejudicada pela pandemia da Covid-19, os principais estúdios resolveram adiar muitos dos principais candidatos, como "Amor, Sublime Amor", de Steven Spielberg. O título seria lançado no fim de 2020, mas ficou um ano no estaleiro de olho na volta do público.

Assim, parecia que os filmes do streaming teriam alguma vantagem. E quem liderou a lista dos indicados foi "Mank", da Netflix. Outro longa da empresa entre os principais do ano era "Os 7 de Chicago"; e a lista tinha ainda "O Som do Silêncio", da Prime Video. Todos perderam para "Nomadland", principal vencedor da noite.

Talvez seja mais justo que a Academia lance logo a categoria "melhor filme para streaming do ano". Pelo menos não passaria pelo constrangimento de premiar filmes como "Green Book" --ou "No Ritmo do Coração".