Nicarágua tem direito de processar opositores, diz petista que dirige Foro de SP
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quinta-feira, 25 de novembro de 2021
FÁBIO ZANINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Principal dirigente do Foro de São Paulo, a petista Monica Valente defendeu em entrevista veiculada nesta quinta (25) a decisão do governo nicaraguense de processar opositores políticos do ditador Daniel Ortega.
"No mérito, o governo nicaraguense tem toda a razão em processar essas pessoas, com base na sua própria lei, com base no direito internacional", disse ela, em live do site Opera Mundi.
Secretária-executiva da entidade, que reúne partidos latino-americanos de esquerda, Valente justificou as atitudes de Ortega com base em uma lei nicaraguense que proíbe o financiamento estrangeiro a ONGs e organizações políticas. Esse tipo de vedação, disse, é comum em vários países, inclusive no Brasil.
"As pessoas que foram presas e estão sendo investigadas receberam comprovadamente muitos recursos, milhões de dólares de programas estadunidenses, de órgãos como o Usaid [agência dos EUA para desenvolvimento internacional]. Qualquer um pode entrar na página do Congresso Americano e verificar."
Ela afirmou, porém, que é possível discutir se a prisão de opositores de Ortega é a melhor opção nesse caso. "Eu tenho muitas dúvidas sobre essa estratégia. Mas quem sou eu para concordar ou discordar? Podemos compartilhar reflexões se essa é a melhor estratégia para combater os ataques imperialistas. Se é prender ou se é ter processo de negociação política, com mediação internacional", disse.
Ortega, que está no poder há 14 anos, foi reeleito no último dia 7 para um quarto mandato consecutivo. O pleito foi amplamente condenado pela comunidade internacional por ter sido de fachada. Antes da votação, sete candidatos presidenciais de oposição foram presos pelo governo nicaraguense.
A situação no país centro-americano respingou na pré-candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. Ao jornal El País Lula relativizou a ditadura de Ortega, comparando seu tempo de permanência no poder ao da primeira-ministra alemã Angela Merkel, que está se despedindo do cargo após 16 anos.
Antes, o próprio PT havia saudado a eleição como uma grande manifestação democrática do povo nicaraguense. Após a repercussão negativa, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, disse que a nota publicada não havia sido aprovada pela direção partidária, mas não criticou o pleito.
Integrante da Executiva Nacional do PT, Valente declarou que não vê contradição no fato de o partido apoiar a democracia no Brasil e ao mesmo tempo defender governos de países como Nicarágua, Cuba e Venezuela, todos governados por ditaduras de esquerda.
"Não tem contradição defender a concepção democrática que o PT tem e ao mesmo tempo o direito internacional, a autodeterminação dos povos, a não ingerência e o multilateralismo."
Deu como exemplo negativo de interferência externa a presença dos EUA no Afeganistão, encerrada de forma caótica em agosto, com o retorno do Talibã ao poder. "Os EUA ocuparam o Afeganistão por 20 anos. Saíram de lá e, em duas, três semanas, tudo que disseram que iam combater, como o machismo, voltou."
Ao fazer um balanço de 2021 para a esquerda latino-americana, Valente viu como ponto positivo a eleição regional na Venezuela, em que forças ligadas ao ditador Nicolás Maduro foram amplamente vitoriosas.
"O Estado profundo estadunidense, seja o governo, sejam os setores empresariais imperialistas, tinham uma expectativa de que nessa eleição o governo não se saísse tão bem. Mas o governo Maduro saiu muito fortalecido, e o império [EUA] terá que repensar suas estratégias", disse.
Ao falar sobre Cuba, afirmou que há uma desesperança na ilha, em razão do bloqueio econômico imposto pelos EUA, mas também elogiou a força da população, que continua defendendo o regime comunista.
"A força da Revolução Cubana é muito grande. Havia uma expectativa de que arrefecesse com o falecimento de Fidel [Castro, há cinco anos], mas isso não aconteceu. Há dificuldade, há descontentamento do povo. Como você vive 60 anos numa ilha de 11 milhões sendo acossado, sem poder importar seringa, por causa do bloqueio? Lógico que isso causa descontentamento", afirmou.
A ilha foi palco de raras manifestações contrárias ao regime em 11 de julho, reprimidas pelas autoridades.
Ela também mencionou o segundo turno que será disputado no Chile em dezembro entre o esquerdista Gabriel Boric e o ultradireitista José Antonio Kast. "Você já imaginou que tristeza o Chile de Salvador Allende [presidente de esquerda derrubado num golpe em 1973] ser governado por um tipo como esse [Kast], que é um Trump, Bolsonaro e Le Pen repaginado?"