SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - De todas as atitudes, realizações e posicionamentos precoces e, digamos, progressistas de Nara Leão --ser feminista, ter e demonstrar consciência social, fazer e estudar psicanálise, dizer publicamente que o Exército não servia "para nada" em plena ditadura militar--, a mais impactante e pioneira de todas permanece sendo o seu primeiro disco.

Quando lançou o inaugural "Nara", em fevereiro de 1964, ela tinha só 22 anos. O álbum histórico, que marcou o que se convencionaria chamar de música popular brasileira, a MPB, tem sua história contada no livro "Nara Leão: Nara - 1964", do jornalista, crítico de música e escritor Hugo Sukman.

A obra é mais um volume da série "O Livro do Disco", da editora Cobogó, dirigida por Isabel Diegues, filha de Nara e do cineasta Cacá Diegues. "Quando a Isabel me convidou, achei que seria um livro muito fácil de fazer. Que ilusão. Acabei mergulhando no disco que é um nó na história, um nó da própria cultura brasileira e de sua relação com a política", diz Sukman, que em 2018 havia escrito a peça "Nara: A Menina Disse Coisas", cujo título foi extraído do célebre poema de Carlos Drummond de Andrade sobre a artista.

Na elogiada série "O Canto Livre de Nara Leão", dirigida por Renato Terra e disponível no Globoplay, temos a vantagem de ver e de ouvir Nara cantar, tocar seu violão e, sobretudo, expressar suas ideias e sua maneira de transver o mundo.

Já no livro de Sukman há o privilégio de se aprofundar nas histórias que envolvem um dos discos mais importantes da MPB --com análise musical faixa a faixa, com bastidores das composições e das gravações e com contexto histórico, cultural e sociopolítico da época.

Ao longo de 224 páginas, contamos mais de cem personagens que participaram direta ou indiretamente da feitura de "Nara". A despeito do rompimento da artista com a bossa nova, os bossa-novistas estão lá -Tom Jobim, que teve seu primeiro álbum lançado no mesmo dia em que o de Nara; Vinicius de Moraes e Carlos Lyra, autores de "Marcha da Quarta-feira de Cinzas" e de "Maria Moita", composição da peça "Pobre Menina Rica" estrelada por eles e por Nara e escolhida por ela para ser gravada justamente por ser a canção em que a personagem feminina expressa uma mensagem de não subserviência ao homem.

Vinicius volta a aparecer em mais duas composições feitas em parceria com Baden Powell -"Berimbau" e "Consolação", inaugurando a série de afro-sambas, gravados por Nara antes mesmo dos próprios autores.

"Por melhores que sejam os discos da Nara, nenhum tem o impacto deste primeiro. Todas as músicas são clássicos. E acho este disco subestimado em relação ao segundo, o 'Opinião de Nara', que é muito forte, muito direto, mas parece uma refilmagem do primeiro", comenta Sukman. "A Nara veio antes de tudo, antes de 'Os Afrossambas', de 1966, antes do 'Elizete Sobe o Morro' e do 'Coisas', ambos de 1965", completa o autor.

Como se não bastassem as parcerias com Vinicius e com Gianfrancesco Guarnieri -"O Morro (Feio Não É Bonito)"-, Carlos Lyra teve papel fundamental no álbum de estreia de Nara Leão. Afinal, foi ele quem, com seu gravador Geloso, registrou sambas dos chamados compositores do morro e os apresentou a Nara para que ela viesse a fazer aquilo que chamou de "reportagem musical".

Entre esses autores cujas obras acabaram indo parar no disco de Nara, estão Zé Kéti, com "Diz que Fui por Aí" --em parceria com Hortêncio Rocha--, Cartola e Elton Medeiros, com "O Sol Nascerá", e Nelson Cavaquinho, com "Luz Negra".

Além do jovem Edu Lobo e de Ruy Guerra, autores de "Canção da Terra" e de "Réquiem para um Amor", do produtor e diretor Aloysio de Oliveira --criador da gravadora Elenco, com destaque para as capas criadas por Cesar Villela e Chico Pereira--, do arranjador Lindolfo Gaya e do compositor e maestro Moacir Santos --autor de "Nanã", gravada por Nara e que figurara na trilha de "Ganga Zumba", de Cacá Diegues--, Sukman entrelaça com fluidez um sem-fim de personagens que gravitaram em torno de "Nara". São nomes ligados ao Centro de Pesquisa Popular, CPC, e à União Nacional dos Estudantes, UNE, ao cinema novo e ao Zicartola.

"O livro tem uma narrativa meio elíptica. Não queria dar a impressão de que é uma história linear. É um grupo de pessoas que não por acaso se esbarram o tempo todo. A Nara é resultante de uma série de coisas anteriores, de uma linhagem da cultura brasileira que vai desembocar ali naquele disco", diz Sukman.

NARA LEÃO: NARA – 1964

Quando: Disponível a partir de 14 de fevereiro

Preço: R$ 49,50 (224 págs.)

Autor: Hugo Sukman

Editora: Cobogó