Nacionalismo jovem em Taiwan injeta ânimo contra planos da China sob Xi
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sexta-feira, 09 de julho de 2021
THIAGO AMÂNCIO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A promessa do líder chinês, Xi Jinping, de "resolver a questão de Taiwan" e fazer a reunificação completa com o país asiático, definida por ele no centenário do Partido Comunista como "missão histórica e compromisso inabalável", esbarra não só na aproximação da ilha com potências ocidentais, mas também no crescimento do nacionalismo entre jovens taiwaneses.
Se, de um lado, a China age com paciência estratégica e, até o momento, evitou uma ação militar, do outro o país sabe que o sentimento pró-independência cresce na ilha à medida que o tempo passa.
Na celebração dos 100 anos do PC, na última semana, Xi afirmou que vai "agir de maneira firme para derrotar completamente qualquer tentativa de independência".
Em Taiwan, o Conselho de Relações com a China Continental, órgão responsável por dialogar com Pequim, respondeu clamando que "o outro lado aprenda com a história", faça reformas democráticas, deixe de lado anseios expansionistas e aja com responsabilidade para promover a paz.
A questão taiwanesa está no cerne da ascensão do Partido Comunista, que governa o país desde 1949, após vencer a guerra civil contra o Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês, ou KMT, na sigla em mandarim). Derrotados, os membros da legenda fugiram para Taiwan, e a questão até hoje nunca foi de fato resolvida: oficialmente ainda se referem a si mesmos como República da China, e a reivindicação do poder sobre a parte continental, nas mãos dos comunistas, está expressa até na Constituição taiwanesa.
Do outro lado do estreito, a China, embora considere a ilha uma província rebelde, não tem controle administrativo sobre o território, afirma Gustavo Feddersen, professor de relações internacionais na Universidade La Salle (RS) e ex-pesquisador na National Chengchi University, em Taipé, capital taiwanesa.
Taiwan hoje tem eleições livres e moeda própria, além de políticas econômicas e sociais independentes. "O que a China tem sobre Taiwan é uma influência econômica, devido à interdependência que se criou por investimentos em ambos os lados", afirma Feddersen.
E o Kuomintang, antes inimigo de guerra, é quem mais evita tensões com os comunistas hoje, já que o partido representa o empresariado e quer manter um bom ambiente de negócios. "Isso cria uma situação curiosa em que o Partido Comunista tem boas relações com a direita e não gosta do que pode ser identificado como a esquerda", diz.
O professor se refere ao Partido Democrático Progressista (PDP), da presidente Tsai Ing-wen, mais identificado à defesa dos direitos humanos. Eles defendem não a retomada do poder na China, mas a independência, representando os anseios de uma população que nasceu na ilha e perdeu o vínculo com a porção continental há décadas.
O PDP retornou ao comando da ilha em 2016, impulsionado por manifestações organizadas por movimentos estudantis que pararam o país dois anos antes contra um acordo comercial entre China e Taiwan fechado pelo KMT, tido pelos manifestantes como subserviente a Pequim.
Os atos minaram a aprovação do KMT, e Tsai foi eleita. Como representante desse sentimento independentista, a presidente usa muito mais a palavra Taiwan para se referir ao território que seus antecessores, que preferiam chamar a ilha de República da China.
Segundo a última Pesquisa de Segurança Nacional de Taiwan, de dezembro, 75% dos taiwaneses disseram já considerar o país independente. Questionados sobre uma declaração de independência --mesmo que a atitude resultasse num ataque militar chinês--, 51% se disse favorável.
Assim, ainda que a população veja a independência como algo inevitável, o resultado do levantamento dá uma pista de como os habitantes de Taiwan preferem evitar uma retaliação da China, dona de um dos maiores poderios militares do mundo hoje. Essa postura ficou clara nesta semana, quando um ex-vice-premiê do PDP disse num programa de rádio que o país passa por uma realidade cruel: uma nação independente na prática, mas que não pode declarar independência sob o risco de retaliação.
Ao passo que cresce a pressão internacional contra a China, potências ocidentais se aproximam de Taiwan, como os EUA, que doaram vacinas contra a Covid-19 para a ilha e retomaram negociações comerciais, afirmando querer trabalhar em "estreita colaboração não apenas em maneiras de aprofundar as relações de comércio e investimento, mas também como parceiros democráticos".
Mesmo aliados da ilha, porém, buscam evitar um conflito. Na segunda (5), o vice-premiê do Japão, Taro Aso, afirmou que se a China invadir a ilha "o Japão e os EUA devem defender Taiwan juntos".
Os parceiros de Taiwan não o reconhecem como um país independente --só 15 países mantêm relações com a ilha.
A reunificação é vista pelo Partido Comunista como uma das últimas pendências para concretizar a unificação nacional prometida na revolução de 1949, quando a legenda assumiu o controle de um país fragmentado e atacado por potências estrangeiras durante todo o século anterior.
Mas, para Feddersen, no cenário atual, se não houver o que analistas internacionais chamam de "cisne negro", ou um fato imprevisível, como uma declaração unilateral de Taiwan ou alguma ação de EUA ou Japão, um conflito não está no horizonte próximo.
"Mas a China sabe muito bem que não pode deixar essa indefinição seguir, porque quanto mais tempo se passa mais Taiwan caminha em direção à independência", diz. O pesquisador afirma que a China valoriza datas comemorativas, "então talvez não fique para esta década, mas analistas dizem acreditar que até o centenário da República Popular da China, em 2049, a China vai querer isso resolvido".

