RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A aposentada Márcia de Oliveira, 57, tinha um sonho: ir ao desfile das escolas de samba na Sapucaí. Decidiu realizar o seu desejo em 2022 e, para isso, se preparou com antecedência. Há três meses, comprou passagens de avião de Porto Alegre, onde mora, para o Rio de Janeiro, e alugou um apartamento para o período do Carnaval.

Dois meses depois, porém, a prefeitura do Rio, em conjunto com São Paulo, anunciou o adiamento dos desfiles. Os blocos de rua já haviam sido cancelados algumas semanas antes, diante do avanço da ômicron no país.

Márcia não pôde desfilar na avenida, mas decidiu manter a viagem. Nesta sexta-feira (26), conversou com a reportagem durante um evento na quadra da Mangueira, zona norte do Rio, que contou com apresentações da bateria da escola e do bloco Céu na Terra.

A aposentada diz que o baile ameniza a tristeza de não poder participar de um Carnaval tradicional na cidade.

Ela afirma, também, que a Prefeitura acertou em cancelar os desfiles. Mesmo após três doses da vacina, Márcia diz que ainda tem medo de ser infectada pelo novo coronavírus.

Ainda assim, ela se arrisca um pouco, sem usar a máscara de proteção. "Mas se começar a encher muito eu vou colocar", diz.

Apesar de ter suspendido os desfiles das escolas e os blocos na rua, a prefeitura do Rio liberou a realização de festas privadas, sem limite de participantes. Há basicamente duas regras em vigor: a obrigatoriedade de apresentação da carteira de vacinação e do uso de máscaras em espaços fechados.

A reportagem perguntou a oito pessoas presentes no evento se elas haviam mostrado o comprovante da vacina para entrar na quadra da escola. Sete disseram que não.

Procurada, a assessoria de imprensa da Mangueira respondeu que a determinação da escola é cobrar o comprovante e alegou que isso estava sendo feito.

Ao longo do ano, segundo a Prefeitura, a multa para organizadores de eventos que falharam em cumprir a regra variou entre R$ 3.105 e R$ 6.210.

O cabeleireiro Fábio Santana, 46, também teve os planos frustrados com o cancelamento do desfile. Torcedor da Beija-Flor, ele chegou a comprar seis fantasias para desfilar na avenida.

Carioca e morador de Fortaleza (CE), Fábio decidiu manter as passagens e nos próximos dias vai participar de um evento na Cidade do Samba com apresentações das escolas.

Ele diz que participar desse tipo de festa ajuda a aliviar a saudade dos desfiles. "A alegria do carioca, do povo brasileiro, é o samba. Precisamos brincar, nos divertir. Mas com consciência, álcool gel, máscara", afirma.

Diabético, Fábio ainda tem medo da Covid-19, mas se sente menos inseguro após ter tomado três doses da vacina. Ele afirma que, assim que deixar o evento e for para o hotel, já vai fazer um autoteste, trazido pelo tio do Canadá.

Com 781 mortes pela doença nas últimas 24 horas, o vírus ainda gera preocupação entre os participantes da folia.

Mesmo assim, pouquíssimos utilizavam máscaras nesta sexta-feira --comportamento pouco surpreendente em um espaço festivo, onde as pessoas estão constantemente bebendo e comendo.

Na entrada, um aviso em verde e rosa, cores da escola, pedia o uso da proteção. "Tenha consciência por você e empatia pelo próximo", dizia o recado.

A utilização do equipamento ainda é obrigatória em eventos em locais fechados, sob pena de multa de R$ 621 no caso de descumprimento.

A quadra da Mangueira é um meio-termo entre um espaço fechado e um aberto. O teto sob a pista, o palco e as mesas tem buracos por onde passa o ar. O curto espaço entre a pista e a entrada é, também, a céu aberto, o que garante a ventilação do local.

A professora Rafaela de Souza, 36, que viajou de Campina Grande (PB) para o Rio, tem a impressão que a utilização das máscaras é mais comum na sua cidade.

Ela diz que visitou a favela da Rocinha, na zona sul, e se sentiu compelida a tirar a proteção, porque todos a olhavam. "Se você coloca, parece um estranho no lugar", afirma.

Nesta noite, centenas de pessoas com fantasias, glitter e paetê circulavam, dançavam e cantavam na quadra da Mangueira.

O jornalista Adalberto Mansur, 56, chegou logo depois que os portões abriram, às 22h. Fã de Carnaval, ele partiu de Rio Claro (SP) para conhecer o Rio de Janeiro nesta época do ano.

Adalberto diz que entende o cancelamento dos desfiles "do ponto de vista da ciência", mas que "não entende cancelar o Carnaval e ter outros eventos". "O pessoal fica muito magoado nesse sentido", afirma.

O mesmo questionamento é feito por Rita Gama, 43, percussionista do bloco Céu na Terra, que se apresentou no evento. Ela diz que a decisão da Prefeitura foi polêmica: "Festas particulares estão acontecendo, embora ainda tenha risco com a pandemia. Só o Carnaval de rua não vai brincar".

Com uma máscara PFF2 rosa, Rita se destaca na multidão --ela diz que sempre usa a melhor máscara que pode. A percussionista também afirma que encontros como o desta sexta-feira ajudam a amenizar a falta do Carnaval tradicional. "É preciso cultivar a alegria para poder ver um amanhã", diz.