SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Concordo com o filósofo Jean-Jacques Rousseau quando diz que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe", afirma o empresário João Paulo Pacífico, 43, autor do livro "Seja líder como o mundo precisa" (editora Harper Collins).

O fundador do Grupo Gaia, que atua no mercado financeiro, teve há pouco uma experiência que o fez perceber o quanto o ser humano pode ser corrompido. Uma das frentes de atuação do grupo está na securitização de créditos para o agronegócio: a Gaia emite títulos de dívida de agricultores e os oferece a investidores, ganhando na intermediação.

Como empresa certificada do "Sistema B" --um movimento global que busca redefinir sucesso na economia, considerando não só o êxito financeiro mas o bem-estar da sociedade e do planeta--, a Gaia trabalhou durante meses para captar recursos para uma cooperativa agrícola associada ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

Pouco antes do lançamento da operação, uma das empresas envolvidas na operação disse que abandonaria o negócio, o que já não era mais possível.

"Fiz uma live com 2.500 investidores interessados no projeto, que é maravilhoso: o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, mas tem gente que ainda pensa que eles são bandidos", disse Pacífico, em entrevista à reportagem. "Cerca de 5.000 investidores aderiram à operação, que foi um sucesso, mas até o último minuto ela foi boicotada." Por quê? "Pressão de agentes do agronegócio tradicional, que não queriam ver um projeto do MST prosperando."

O exemplo ilustra a pior situação dentro do "Diagrama de Gaia", como Pacífico classifica líderes e relacionamentos: um líder mercenário (da empresa parceira, que queria agradar a grandes clientes do agronegócio, que pagam mais), propondo uma relação tóxica (a Gaia deveria se sujeitar à decisão dessa empresa, indo contra o que havia sido acordado).

Mas o diagrama também aponta outros caminhos possíveis: um líder humano, que pensa no bem-estar da equipe e dos clientes, tendo uma atitude ativista, ao defender valores que vão muito além do lucro. "São essas as lideranças de que o mundo precisa", diz Pacífico. "Pessoas e organizações ativistas e humanas fazem a diferença no mundo, tornam a vida de todos melhor e o planeta, mais sustentável e habitável."

O empresário diz que empresas ativistas e humanas não são utopia, nem mesmo no mercado financeiro, ambiente no qual Pacífico começou a carreira, em 1999, e reconhece como um dos mais tóxicos. Como bom exemplo, ele cita o holandês Triodos Bank. Fundado em 1980, o banco "pensa na causa antes do lucro" e considera o dinheiro um meio, não um fim.

"Sua missão é fazer que o dinheiro seja um recurso para viabilizar mudanças sociais, ambientais e culturais positivas", diz. "Sem deixar de ter bons lucros e de ser sustentável financeiramente", afirma Pacífico. O Triodos, por exemplo, chega a negar a entrada de novos clientes, se não tem bons projetos em mãos no momento para investir o dinheiro deles, conta.

"O Triodos só empresta dinheiro para pessoas e organizações que fazem o mundo melhor e atuem em um dos seguintes setores: ambiental, cultural e social, incluindo habitação", diz Pacífico. Além disso, no banco, a relação entre o maior e o menor salário é de dez vezes. "Cerca de 40% de seus gestores são mulheres, em um mercado prioritariamente masculino. O banco também tem programas de treinamento e contratação de refugiados", afirma.

No Brasil, a Gaia se esforça para estar no mesmo time do Triodos. Com 80 funcionários, a empresa, criada em 2009, procura "usar ferramentas do mercado de capitais, de forma lucrativa, para fazer o bem", nas palavras de Pacífico. Ao ligar causas ao capital, deixa de atuar no mero mercado financeiro rentista e especulativo. O grupo, que já emitiu mais de R$ 20 bilhões em títulos, não divulga, porém, seus resultados.

"É preciso dosar o quanto você vai ter de lucro, para não buscá-lo a qualquer custo", diz Pacífico. "É claro que toda empresa precisa ter lucro para sobreviver, mas o dinheiro que ela conquista não a define. Ela pode --e deve-- ir muito além disso", diz o empresário, que considera os bilionários uma "anomalia do sistema". "É algo fora do padrão, em um mundo que passa fome", diz ele, lembrando que também existe muito marketing em torno de bons propósitos.

"O que mais vemos hoje é ESG washing", afirma, ao se referir às empresas que apenas fazem marketing envolvendo as melhores práticas de governança ambiental, social e corporativa (ESG), sem se comprometer de fato com mudanças. "Mas hoje, com as redes sociais, fica mais fácil saber a verdade."

Na opinião de Pacífico, tudo depende de escolhas baseadas em valores, especialmente quando se é líder. "Em uma pesquisa recente que eu promovi no LinkedIn, com mais de 5.000 participantes, perguntei quem tinha um chefe tóxico e 89% disseram ter, 8% não têm, mas conhecem quem tem, 2% nunca tiveram e 1% se considera tóxico", diz ele.

"Lideranças tóxicas causam danos à equipe, pois não conseguem ver o potencial das pessoas, enxergam somente os pontos fracos. Elas têm perfil abusivo, são autoritárias e podem ser agressivas e arrogantes, não ouvem críticas, querem sempre que sua opinião prevaleça e exercem pressão constante sobre a equipe, dificultando ainda mais o desenvolvimento dos colaboradores. Essas lideranças possuem mentalidade fixa, ou seja, focam resultados, não o esforço", escreve Pacífico.

Uma liderança tóxica compromete toda a equipe, que, mesmo que se mostre produtiva, não vai entregar um trabalho de qualidade e, aos poucos, contamina a empresa, a comunidade, a sociedade como um todo. "Daí tantos casos de burnout, como temos visto, e mais pessoas se questionando sobre a natureza do seu trabalho", afirma.

Não é difícil identificar líderes com uma atuação tóxica na sociedade, muitas vezes à frente de nações -- como Jair Bolsonaro e Vladimir Putin, afirma Pacífico. "Mas o importante é que cada um de nós adote uma postura positiva, porque em última instância todos somos líderes, à medida que temos o poder de influenciar o nosso entorno", diz ele.

SEJA LÍDER COMO O MUNDO PRECISA

Autor: João Paulo Pacífico

Editora: HarperCollins (336 páginas)

Preço: R$ 49,90