SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse nesta terça-feira (8) que a mulher está "praticamente integrada" à sociedade e assinou decreto que prevê distribuição gratuita de absorventes, medida vetada por ele no ano passado.

A declaração foi feita em cerimônia de homenagem ao Dia da Mulher no Palácio do Planalto. A medida ocorre em meio à tentativa do chefe do Executivo de diminuir a sua rejeição junto às mulheres, no ano em que buscará se reeleger.

"Minha mãe foi também uma empreendedora. Lá naquele meu tempo, é história, ou a mulher era professora ou dona de casa, dificilmente uma mulher fazia algo diferente disso. Lá nos anos 1950, 1960. Hoje em dia as mulheres estão praticamente integradas à sociedade. Nós as auxiliamos. Nós estamos sempre ao lado dela. Não podemos mais viver sem ela", afirmou o presidente em discurso no evento.

O decreto prevê R$ 130 milhões do orçamento do Ministério da Saúde, e deve contemplar 3,6 milhões de mulheres, segundo disseram a jornalistas o ministro Marcelo Queiroga e o secretário de Atenção Primária, Raphael Câmara. A íntegra do texto ainda não foi divulgada.

Em outubro do ano passado, Bolsonaro vetou proposta aprovada pelo Congresso alegando que não apresentava fonte de custeio ou medida compensatória, o que violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Na ocasião, todos os artigos do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual que previam a disponibilização de graça do produto de higiene, seu principal foco, foram vetados.

"Essa é uma política pública que deve ser feita pelo Poder Executivo", disse Queiroga a jornalistas. "Acredito que o Congresso não deva derrubar esse veto, porque o que fizemos foi aprimorar o processo legislativo", completou.

O Congresso Nacional analisará os vetos do presidente na próxima quinta-feira (10).

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) classificou a edição do decreto por Bolsonaro após a análise do veto ser agendada como eleitoreira e disse que o texto vetado pelo presidente era suprapartidário.

"A atitude de editar um decreto após a convocação do Congresso para análise do veto é uma atitude, além de eleitoral, um desrespeito ao parlamento brasileiro", disse ela.

Em termos de recursos, a estimativa de impacto fiscal, segundo cálculos dos autores do projeto de lei, era de R$ 84,5 milhões ao ano. O orçamento do governo é cerca de R$ 40 milhões superior.

Por outro lado, os parlamentares previam beneficiar cerca de 5,6 milhões de mulheres. Enquanto isso, a abrangência do programa do governo federal exclui cerca de 2 milhões de pessoas.

O projeto de lei previa como beneficiárias do programa estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública; mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; mulheres apreendidas e presidiárias; e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.

De acordo com o secretário da saúde, serão contempladas mulheres em situação de rua, mulheres cumprindo medidas socioeducativas, de 12 a 21 anos; alunas matriculadas em escolas pactuadas do programa Saúde na Escola, apenas com mais de 50% dos estudantes pertencentes a famílias beneficiárias do programa Auxílio Brasil na idade de nove a 24 de idade.

Quantas à população de rua, em apenas duas capitais, São Paulo e Curitiba, além do Distrito Federal, há a distribuição do item de higiene menstrual de forma ampla.

Isso significa que a oferta de absorventes não está restrita às unidades socioassistenciais. Nesses locais, há também o fornecimento por meio das equipes de abordagem social e do programa Consultório na Rua (no caso do Distrito Federal e de São Paulo).

As demais capitais, como mostrou a Folha, realizam distribuição apenas em centros de acolhimento ou sequer possuem políticas relacionadas ao tema. Há ainda três capitais, Boa Vista, Natal e Porto Velho, que possuem um projeto aprovado, mas que ainda não está em vigor.

No ano passado, Bolsonaro chamou o projeto vetado por ele de "auxílio Modess", marca de absorvente feminino, e disse que iria estender a proposta, sem dar detalhes.

"A gente vai se virar e vamos aí estender o 'auxílio Modess' —é isso mesmo, 'auxílio Modess', absorvente?— para todo mundo", afirmou nesta quinta-feira (14), referindo-se ao que faria caso o Congresso derrube seu veto.

Em tom de ironia, o presidente disse ainda na época estar "torcendo" para que os parlamentares derrubem seu veto. Caso isso ocorra, continuou Bolsonaro, ele arranjaria recursos para bancar o programa nas áreas da Saúde e Educação.

"Vou dar a solução no caso: é o só o Parlamento derrubar o veto que daí eu sou obrigado a promulgar [o projeto] depois. E daí a gente vai arranjar recurso no próprio Ministério da Saúde ou na Educação; ou nos dois, ou tirar um pouquinho de cada lugar", declarou o presidente, durante sua live semanal nas redes sociais.

O anúncio do governo nesta terça-feira de que distribuirá absorventes ocorreu durante um evento com uma série de outras medidas para as mulheres, como crédito para empreendedoras femininas.

A maioria das autoridades usava uma camiseta rosa com o slogan "Brasil pra elas, por elas, com elas". Atrás do palco onde ficavam as autoridades, os mesmos dizeres num painel com as mesmas cores.

Em seu discurso, Bolsonaro lembrou de sua mãe, Dona Olinda, que faleceu em janeiro deste ano, se emocionou, e exaltou mulheres empreendedoras.

À plateia, que aplaudiu de pé, o mandatário foi apresentado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro como "o presidente mais cor de rosa do mundo".

Bolsonaro tem um longo histórico de falas sexistas. Ele já disse que só não estupraria uma deputada porque ela era "feia", defendeu o turismo sexual no Brasil, desde que não fosse praticado por gays, e afirmou defender salários menores para mulheres.

"Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? 'Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade. (...) Por isso que o cara paga menos para a mulher. (...)", afirmou Bolsonaro em 2014, em entrevista ao jornal Zero Hora.

Em 2020, o presidente insultou a repórter da Folha Patrícia Campos Mello, em conversa com apoiadores na frente do Palácio da Alvorada. "Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]."

Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o entorno do presidente quer incluir mais a primeira-dama na campanha como forma de diminuir a rejeição do presidente com o público feminino. Em mais de um momento, eles se beijaram durante a cerimônia.

Mais cedo, o presidente acompanhou o hasteamento da bandeira em homenagem a mulheres, com a presença de Michelle também. Participaram esposas de ministros, secretários, embaixatrizes e funcionárias.

Além delas, na hora do evento, jornalistas mulheres e apoiadoras foram convidadas a acompanhar a cerimônia e depois participar de um café da manhã no Palácio da Alvorada.