GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) - Às vésperas de ser votada no Senado, a MP (medida provisória) de privatização da Eletrobras é criticada por entidades ligadas à indústria e ao setor elétrico, que buscam um último diálogo com os parlamentares na tentativa de alterar seu conteúdo.

A MP foi enviada pelo governo para o Legislativo em fevereiro e caduca em breve, no dia 22 de junho. O texto foi aprovado na Câmara, há três semanas, com folga -foram 313 votos a favor, 166 contra e 5 abstenções. Mas foi nesse processo que nasceu o imbróglio que agora incomoda parte do mercado.

O objetivo central da medida era aumentar o capital social na Eletrobras por meio da emissão de ações ordinárias (que dão direito a voto), e assim diminuir a participação da União, que hoje corresponde a cerca de 52%. Isso se mantém, mas o novo texto ganhou adendos. Os principais são a contratação obrigatória de energia de termelétricas a gás e a priorização de pequenas centrais hidrelétricas (até 50 megawatts) nos próximos leilões de energia nova, previstos para setembro.

Os críticos ao texto têm apelidado esses adendos de "jabutis" -referência a emendas que alteram ou distorcem o objetivo inicial de uma MP ou de um projeto de lei. Argumentam que isso gera uma reserva de mercado e, por consequência, reduz a competição no setor de energia.

Nos poucos dias que faltam até que a medida expire, ela ainda deve passar pelo Senado e, no caso de os senadores fazerem alterações, volta para discussão na Câmara.

"Todos nós somos favoráveis à privatização [da Eletrobras], mas queremos que o processo ocorra de maneira que modernize o sistema elétrico, e não que o 'desmodernize'", declarou o presidente da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livre), Paulo Pedrosa, durante seminário realizado pelo jornal Folha de S.Paulo na manhã desta quinta-feira (10).

Ele criticou a ampliação do conteúdo da MP para além do projeto de capitalização, no que define como uma "minirreforma do setor elétrico decidida em dez dias de discussão na Câmara".

Em linha semelhante, o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás) defende o objetivo inicial da medida, mas questiona a opção por térmicas a gás e também as áreas onde elas estão localizadas -a versão da Câmara impõe a contratação de 6 gigawatts (GW) em térmicas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

"Dificilmente essas térmicas serão abastecidas por gás nacional, porque há uma distância e um custo de infraestrutura que será necessário para viabilizar a chegada do gás [concentrado principalmente na costa brasileira] nas usinas", argumentou a diretora-executiva de gás natural do IBP, Sylvie D'Apote.

Cálculos do instituto sugerem que a contratação compulsória, como propõe a medida provisória, poderia gerar perdas de R$ 600 milhões por ano em royalties.

O relator da matéria na Câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), respondeu às críticas dizendo que os argumentos dos setores olham apenas para o mercado, e não para o cidadão. "Nós [Congresso] defendemos o interesse do povo e eles, dos grandes consumidores."

O parlamentar avalia que a contratação das térmicas faz parte de uma política de desenvolvimento regional, já que os gasodutos se desdobram em oportunidades de impulsionar a indústria local e atrair mão de obra. "Será que o centro do Brasil não tem direito a ter gás?", questionou.

D'Apote, do IBP, observou que, em vez de alavancar o potencial de desenvolvimento econômico regional, a MP pode reduzi-lo à medida que impõe termelétricas sem levar em conta outras características locais. "Assim como há regiões que têm produção de gás e que poderiam se alavancar, outras deveriam ser desenvolvidas à base de outros recursos renováveis, importantes na era de transição energética", disse. "O Nordeste, por exemplo, tem uma clara vantagem em fontes renováveis."

Apesar das divergências com setores do mercado, o texto da Câmara recebe apoio do governo federal.

Também presente no seminário, o chefe da Assessoria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério de Minas e Energia, Hailton Madureira, disse que a pasta "tem convicção de que o texto aprovado na Câmara, no seu conjunto, é positivo, pois permite o aumento da competitividade e a redução da tarifa".

Madureira acrescentou que a capitalização deve tornar a empresa mais competitiva. "A Eletrobras não ganha um leilão no Brasil desde 2014. Capitalizada e mais robusta, ela vai ter capacidade para participar de leilões de transmissão e geração."

Em nota publicada nesta quarta (9), o Ministério de Minas e Energia projetou que, da forma como está, a MP levaria a uma redução tarifária média de 6,34% na conta de energia -num cenário conservador, a redução seria de 5,1%; no arrojado, de 7,3%.

Paulo Pedrosa, da Abrace, disse que é um erro não pensar também nos impactos para a indústria. "É um equívoco entender que reduzir a tarifa do consumidor pequeno é a melhor maneira. A família brasileira consome três vezes mais energia em produtos [por meio dos tributos] do que na conta de energia que paga; energia está no leite, no frango."

O deputado Elmar Nascimento discordou. "Não aceito mais essa política de Robin Hood às avessas de que o pobre vai financiar os ricos, como estão defendendo aqui."

Ele diz acreditar que, se fizer mudanças, o Senado apenas acrescentará emendas que permitam maior desenvolvimento regional, de acordo com interesses estaduais representados pelos parlamentares da casa. No caso de serem retirados pontos como a reserva da compra de termelétricas e pequenas centrais hidrelétricas, não se diz preocupado. "Como a MP volta para a Câmara, já ficou claro que a casa está determinada a corrigir equívocos."

RELATOR NO SENADO DIZ QUE AINDA ESTÁ DISCUTINDO A PROPOSTA

O relator do conteúdo no Senado é o parlamentar Marcos Rogério (DEM-RO), aliado do governo. Em coletiva de imprensa nesta quarta (9), ele disse ainda estar reunindo informações e propostas de emenda para o texto. "Não há nenhum ponto, a não ser a capitalização, que esteja definido. Tudo está na mesa, em diálogo com os senadores, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica]", declarou.

Com ele estava o ministro Bento Albuquerque (MME). Ele sinalizou novamente o apoio da pasta ao texto redigido pela Câmara.

Questionado sobre a contratação compulsória das térmicas a gás, disse que "o gás natural tem sido fonte importante de transição para uma matriz energética mais limpa. Isso já está ocorrendo no Brasil e vai acelerar com a MP."

O seminário foi mediado pelo jornalista e colunista do jornal Folha de S.Paulo Vinicius Torres Freire e teve patrocínio do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás e da União Pela Energia. O vídeo do debate pode ser assistido em folha.com/privatizacaoeletrobras.