SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Ucrânia rejeitou nesta segunda (7) o anúncio feito pela Rússia para a abertura de novos corredores humanitários. Mais cedo, Moscou informou que planeja abrir caminho para que civis saiam do país com destino à Rússia ou à Belarus.

Segundo a vice-primeira-ministra da Ucrânia, Irina Vereschuk, a abertura das rotas para a Rússia ou para o país vizinho aliado de Moscou é uma tentativa de manipular a opinião internacional, sobretudo a do presidente da França, Emmanuel Macron, que telefonou ao líder russo, Vladimir Putin.

"[O corredor] não é uma opção aceitável", disse Vereschuk. "Espero que Macron entenda que seu nome e seu desejo sincero de ajudar estão na realidade sendo manipulados pela Federação Russa", disse ela.

Além de acusar Moscou de tentar manipular a opinião pública, o governo ucraniano também classificou a iniciativa como "imoral" porque a Rússia se propõe a levar os civis para seu território.

"Essa é uma história completamente imoral. O sofrimento das pessoas é usado para criar a imagem desejada para a televisão. Esses são cidadãos da Ucrânia, eles devem ter o direito de ser deslocados para o território da Ucrânia", disse um porta-voz do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.

Macron, por sua vez, chamou de "cinismo moral e político" a proposta apresentada por Putin. O político francês telefonou ao russo no domingo (6) pedindo um cessar-fogo e recebeu como resposta nesta segunda a proposta dos corredores humanitários.

"Isso não é sério. É de um cinismo moral e político que me parece insuportável", disse o presidente em entrevista ao canal de TV LCI. Para Macron, o gesto russo é hipócrita. "É um discurso que consiste em dizer 'vamos proteger as pessoas e levá-las a Rússia'. Pessoas estão morrendo, estão exaustas. E não conseguimos obter um cessar-fogo".

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmou nesta segunda que exortou o Kremlin a "interromper imediatamente as hostilidades e assegurar passagem humanitária segura e acesso à assistência" na Ucrânia. Michel também reiterou a condenação à invasão russa e a solidariedade à Ucrânia, afirmando que o Conselho deve discutir nos próximos dias o possível ingresso do país na União Europeia —um tópico bastante sensível para a Rússia e frontalmente contra os interesses do Kremlin.

O plano para cessar-fogo e retirada de civis seria viabilizado, em tese, às 10h no horário de Moscou (4h no horário de Brasília). Igor Konachenkov, porta-voz do Ministério da Defesa da Rússia, disse que, ao todo, seis corredores humanitários seriam abertos em cidades ucranianas para permitir que civis escapassem.

Seriam eles: um de Kiev a Gomel (Belarus); dois de Mariupol, sendo um para Zaporíjia e outro para Rostov-do-Don (Rússia); um de Kharkiv a Belgorod (Rússia); e dois de Sumi, sendo um para Belgorod (Rússia) e outro para Poltava. Há desconfiança, entretanto, em relação à eficiência da operação. Dois acordos para cessar-fogo em Mariupol e na cidade vizinha de Volnovakha falharam nos últimos dois dias, com ambos os lados se acusando de descumprir o combinado.

Nesta segunda, um dos negociadores da delegação russa acusou a Ucrânia de cometer "crimes de guerra" ao rejeitar os corredores humanitários propostos por Moscou. "Os nacionalistas que assumiram posições nas cidades continuam mantendo civis nas localidades e os usam, direta e indiretamente, inclusive como escudos humanos, o que é claramente um crime de guerra", disse Vladimir Medinski em entrevista a uma TV russa.

A passagem para a retirada de civis foi o tema principal abordado na terceira rodada de negociações realizada nesta segunda em Belovejskaia Puscha, na Belarus. O encontro, no entanto, não teve desdobramentos significativos. A delegação ucraniana descreveu que apenas pequenos avanços na coordenação para a criação de corredores humanitários foram feitos, mas sem medidas concretas.

Já a delegação russa disse que uma quarta rodada de negociações deve ocorrer "muito em breve", mas sem revelar a data acordada.

Enquanto anuncia planos para a retirada de civis em Kiev, a Rússia "acumula recursos" para atacar a cidade, acusaram em nota nesta segunda as Forças Armadas da Ucrânia. "Além disso, o inimigo continua a operação ofensiva contra o país, focada nos arredores de Kiev, Kharkiv, Tchernigov, Sumi e Mikolaiv."

Na capital, soldados ucranianos foram vistos se preparando para um possível confronto contra os russos. Eles armaram explosivos no que dizem ser a última ponte intacta no caminho das forças de Putin.

"A capital está se preparando para se defender", disse o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko. "Kiev vai resistir!"

No sul, autoridades militares ucranianas disseram que a Rússia bombardeou a região de Tuzli, nas proximidades de Odessa, danificando "equipamentos de infraestrutura cruciais", mas sem deixar feridos.

A invasão de Odessa começou a se configurar neste domingo. Principal porto no sul ucraniano, a cidade está no alvo de forças de Putin a leste, e, caso seja dominada, fará com que Moscou estabeleça o controle sobre quase toda a costa do mar Negro, fechando o acesso ucraniano a ele.

De acordo com o Ministério da Defesa do Reino Unido, forças russas provavelmente estão mirando a infraestrutura de comunicação ucraniana para reduzir o acesso a fontes de notícias confiáveis. "O acesso à internet provavelmente também será interrompido", disse em comunicado.

Em Kharkiv, bombas de Moscou atingiram uma universidade e um prédio residencial. Outras áreas atingidas foram a cidade de Tchernihiv, ao norte, Mikolaiv, ao sul, de acordo com o conselheiro da Presidência ucraniana Oleksi Arestovitch. Tchernihiv foi bombardeada em todas as suas regiões.

Arestovitch classificou de "catastrófica" a situação dos subúrbios de Kiev, como Bucha, Irpin e Hostomel. Nesta última, o prefeito Iuri Illich Prilipko foi morto durante um ataque russo enquanto, de acordo com a gestão municipal, distribuía pão e remédios a doentes.

Em Lugansk, sob o controle de separatistas pró-Rússia no leste da Ucrânia, uma forte explosão provocou um incêndio em um depósito de petróleo, segundo a agência de notícias russa Interfax.

O Acnur, a agência da ONU para refugiados, divulgou nesta segunda que o número de pessoas fugindo do conflito na Ucrânia ultrapassou a marca de 1,7 milhão, configurando assim a crise de refugiados que mais cresce desde a Segunda Guerra Mundial.

Nesta segunda, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, anunciou que a Cruz Vermelha da China fornecerá ajuda humanitária à Ucrânia e reiterou pedido para que as negociações continuem. Ele disse também que a amizade do país com a Rússia é "sólida como uma rocha" e que a cooperação mútua traz "benefícios e bem-estar para os dois povos".