SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - A Corregedoria da Polícia Militar da Bahia abriu inquérito para apurar a morte de três jovens negros em operação policial em Salvador ocorrida durante o Carnaval na madrugada desta terça-feira (1º).

O Ministério Público Estadual vai acompanhar a investigação. Os policiais envolvidos na operação continuam em serviço. Os armamentos deles foram encaminhados para perícia.

Patrick Sapucaia, 16, Alexandre dos Santos, 20, e Cleverson Guimarães, 22, foram mortos por volta das 2h na Gamboa, comunidade à beira-mar que tem se destacado no turismo pela culinária regional e grafites nas paredes, onde as cantoras Anitta e Iza já gravaram produções.

As mortes provocaram protesto na manhã de terça-feira. Os corpos dos três jovens foram enterrados na manhã desta quarta (2), no cemitério Campo Santo, região central de Salvador.

O funeral de Patrick, que era ogã (espécie de sacerdote auxiliar) de Xangô (divindade ligada à justiça), foi marcado pelos ritos comuns aos iniciados no candomblé.

De acordo com nota da Secretaria da Segurança Pública, o titular da pasta, Ricardo Mandarino, determinou à Corregedoria apuração rigorosa da ocorrência. "Se a investigação comprovar excesso, os envolvidos serão responsabilizados", diz a nota.

Segundo a polícia, viaturas das Rondesp (Rondas Especiais) foram à comunidade apurar um chamado de que haveria homens armados no local, quando teriam sido recebidas a tiros por um grupo de suspeitos.

Ainda segundo o comunicado, os policiais então encontraram três homens caídos com armas, além de drogas. Outros suspeitos teriam fugido, enquanto os feridos foram socorridos, mas morreram no Hospital Geral do Estado.

Conforme a PM, foram apreendidos em posse dos três suspeitos um revólver calibre 38, duas pistolas (uma de calibre ponto 40 e outra de calibre 380), 177 papelotes de maconha, 233 pinos e dez embalagens de cocaína, 130 pedras de crack, três aparelhos celulares, uma balança eletrônica, R$ 172 em espécie e um relógio de pulso.

As mortes provocaram protestos que bloquearam a avenida Lafayete Coutinho nas primeiras horas da segunda. Policiais do Batalhão de Choque foram acionados para liberar a via de acesso a bairros nobres, mas não houve registro de incidente.

Uma das vítimas, Alexandre, era irmão do atacante Juninho, emprestado em setembro do ano passado pelo Olímpia para o Esporte Clube São Bernardo do Campo, time que disputa a terceira divisão do Campeonato Paulista.

Alexandre era o segundo dos oito filhos da auxiliar de vendas Silvana dos Santos, 41, que reside há quase 30 anos na comunidade anexa ao Museu de Arte Moderna da Bahia, situado no conjunto arquitetônico do Solar do Unhão, um antigo engenho do século 17.

A mãe conta que, segundo testemunhas narraram para ela, os três rapazes bebiam juntos em um estabelecimento quando foram surpreendidos por bombas de gás lacrimogêneo lançadas na direção deles, antes mesmo de qualquer abordagem por parte da polícia.

Logo após, ainda de acordo com o relato de Silvana dos Santos, o trio foi conduzido para um imóvel abandonado, onde foi baleado pelos policiais. A mulher disse ter acordado com o barulho dos tiros, momento em que descobriu que o filho era um dos baleados.

De acordo com a mãe, o jovem teria parado no bar parar beber uma cerveja com as outras duas vítimas, pouco depois de voltar da casa da namorada. Alexandre trabalhava como vendedor de roupas encomendas por moradores na comunidade.

"Ainda tentei impedir que levassem meu filho, que estava vivo, mas um dos policiais apontou a arma para minha cabeça", disse. "Então, não pude fazer mais nada, a não ser deixar que o levassem. Perdi meu filho", lamentou, horas após o enterro.

As mortes dos jovens também provocaram reações da secção da OAB-BA (Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia) e da Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador, que reúne mais de 20 entidades.

Por meio de nota, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA, Eduardo Rodrigues, disse que a ordem cobrará das autoridades de segurança o afastamento dos policiais, medidas de proteção às testemunhas e uma investigação minuciosa.

"A OAB-BA cobrará ainda urgência na instalação de câmeras em viaturas e fardas da PM-BA, prometida pelo governo do Estado desde o ano passado, que no mundo inteiro vem garantindo mais transparência às ações policiais, reduzindo sua letalidade e garantindo mais proteção aos próprios agentes e aos outros cidadãos", diz o texto.

Em nota, a Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador, em conjunto com outras entidades, criticou a operação policial e disse que os mortos "foram executados sumariamente pela polícia".

"A violência policial permanece como prática corriqueira e naturalizada contra moradores da Gamboa de Baixo. Os depoimentos de testemunhas apontam que as mortes dos jovens não foram decorrentes de resistência e que não houve qualquer reação ou troca de tiros. A polícia não agiu em legítima defesa!", diz a nota.