SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O produtor musical João Carlos Botezelli, mais conhecido como Pelão, morreu no início da tarde desta quarta (1º). Responsável por levar ao estúdio pela primeira vez gigantes do samba como Cartola e Adoniran Barbosa, ele tinha 78 anos, e teve um infarto.

Nascido em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, em outubro de 1942, Pelão marcou o nome na história da cultura brasileira quando, cansado da política, resolveu que faria uma revolução através da música. Na crença dele, gravar os sambistas do morro cantando suas próprias composições --muitas já bastante conhecidas nas vozes de outros intérpretes-- seria sua maior contribuição.

Com essa ideia em mente, Pelão convenceu executivos de gravadoras de que gravar discos de gente como Cartola, mesmo já idoso, seria uma boa ideia. O compositor da Mangueira só entrou em estúdio para ser gravado em 1974, quando já tinha 65 anos, levado por Pelão.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, Celso de Campos Júnior --autor do livro "A Revolução Pela Música", sobre Pelão-- lembra que o sambista já não acreditava que lançaria um álbum. "A Dona Zica [mulher de Cartola] falava que ele não pegava mais no violão. Chamavam ele para fazer show por mixaria, isso quando pagavam. Estava esperando o fim da vida."

Além do álbum hoje clássico de Cartola, Pelão gravou obras de Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, um tributo a Donga e Nelson Sargento, entre outros. Adoniran Barbosa, outro gravado em disco pela primeira vez por Pelão, chegou a dizer que o produtor era "o Pedro Álvares Cabral" da trajetória dele.

Adoniran já tinha gravado nos anos 1940 e 1950, mas só compactos de 78 rotações. Pelão levou o sambista, então com 64 anos, ao estúdio em 1974, para registrar pela primeira vez clássicos como "Saudosa Maloca" e "As Mariposas", e depois gravou o disco seguinte do paulista --hoje, os dois álbuns são considerados clássicos.

No estúdio, Pelão costumava dispensar as produções pomposas para gravar os sambistas como eles soavam no dia a dia. "Era um som realmente deles", o produtor disse à Folha de S. Paulo. "O violão magnífico do Nelson. As letras fantásticas do Cartola na voz dele. Porra, era o som de uma época. Pandeiro, cuíca, surdo, tamborim. Tudo tocado como era. Ficava mais bonito."

Mas além dos méritos técnicos, Pelão tinha uma atuação humana que foi determinante para o sucesso de suas produções. Era amigo dos artistas com quem trabalhava e sabia como eles soavam quando cantavam, no morro, entre amigos.

"Você tem que saber deles, o jeito deles", contou Pelão. "Não chegar falando besteira. Saber da vida deles, onde apertava o calo. E tudo isso eu procurava saber antes de chegar para valer. E aí dava certo."

Durante sua atuação como produtor, Pelão colecionou brigas com executivos de gravadoras. Dizia que eles tinham conhecimento do trabalho dos sambistas, mas preferiram não gravá-los "porque são uns vagabundos", e que chegou a ouvir de Manoel Barenbein, então diretor da Phonogram, que "isso aqui não é um asilo".

Na introdução do livro "A Revolução pela Música", Aldir Blanc, amigo de Pelão, escreve que o produtor travou "verdadeiras guerras contra ceguetas que dirigiam as gravadoras multinacionais". E também que sua contribuição à cultura é "altíssima, e vai durar para sempre", porque "apreço não tem preço: não há dinheiro que pague, não apenas os serviços à nossa música, mas a generosidade e o desprendimento com que foram prestados".