SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Colin Powell, primeiro secretário de Estado negro dos EUA e ex-chefe do Estado Maior Conjunto, morreu na manhã desta segunda-feira (18) devido a complicações decorrentes da Covid-19, segundo mensagem da família do militar publicada no Facebook. Ele tinha 84 anos. Deixa a esposa, Alma, e três filhos.

No comunicado, os parentes do militar informam também que Powell estava completamente vacinado contra a doença e agradecem à equipe médica do hospital militar Walter Reed. "Perdemos um inesquecível e amoroso marido, pai, avô e um grande americano."​

Nenhuma vacina tem 100% de eficácia contra a Covid-19, assim como acontece com qualquer outra doença ou tratamento de saúde. Em geral, a proteção do imunizante é maior para impedir quadros graves, hospitalizações e mortes, mas pode ser consideravelmente menor para a transmissão ou infecção assintomática. Assim, mesmo indivíduos vacinados podem contrair o vírus, adoecer e morrer, embora em frequência muito menor do que os não vacinados.

Filho de imigrantes jamaicanos, Colin Luther Powell nasceu em 5 de abril de 1937, no Harlem, bairro historicamente habitado pela comunidade negra de Nova York. Ele ingressou no Exército em 1958, aos 21 anos, e serviu na Alemanha, na Coreia do Sul e em duas missões no Vietnã na década de 1960, durante as quais foi ferido em duas ocasiões: um acidente de helicóptero em que resgatou dois soldados e ao cair em uma armadilha conhecida como "estaca punji".

Powell foi uma das figuras negras mais importantes dos EUA em décadas. Ele foi nomeado para cargos importantes por três presidentes republicanos, nos quais ajudou a moldar os rumos da política externa americana. Ele foi o idealizador da "Doutrina Powell", segundo a qual a guerra deve ser o último recurso, mas quando utilizada, a força deve ser esmagadora. Além disso, intervenções militares americanas só devem ocorrer quando há expressivo apoio da opinião pública e uma estratégia clara de retirada.

Durante o governo de Ronald Reagan (1981-1989), Powell foi conselheiro de segurança nacional por dois anos. Como general de quatro estrelas do Exército, foi chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas —o mais jovem e também o primeiro negro no cargo— no governo de George H.W. Bush (1989-1993) durante a Guerra do Golfo, em 1991, na qual as forças lideradas pelos EUA expulsaram tropas iraquianas do Kuwait.

Mais tarde serviu como secretário de Estado de George W. Bush, o que, à época, o tornou o afroamericano com o maior cargo no alto escalão do governo americano. Na linha de sucessão presidencial, ele ocupava a quarta posição.

"Acho que isso mostra ao mundo o que é possível neste país", disse Powell, diante dos senadores durante a audiência de confirmação de sua indicação ao cargo. "Se vocês acreditam nos valores que defendem, podem ver coisas tão milagrosas quanto eu sentado diante de vocês para receber essa aprovação." Na ocasião, sua nomeação foi aprovada com unanimidade pelo Senado.

Powell também era frequentemente mencionado por uma apresentação controversa em 5 de fevereiro de 2003, durante reunião do Conselho de Segurança da ONU.

Na ocasião, o então chefe da diplomacia americana argumentou a favor das afirmações de Bush segundo as quais o ditador iraquiano Saddam Hussein (1937-2006) constituía um perigo iminente para o mundo devido aos seus supostos estoques de armas químicas e biológicas. A invasão ocorreu seis semanas depois, mas nenhuma dessas armas foi encontrada, minando a credibilidade americana por anos.

Powell reconheceu mais tarde que a apresentação estava repleta de imprecisões e informações distorcidas fornecidas por membros do governo Bush. Para ele, o episódio representou "uma mancha" que sempre faria parte do seu histórico.

Em um livro de memórias publicado em 2012, ele disse ter ficado bravo consigo mesmo por seus instintos não terem percebido o problema do relatório sobre as supostas armas de Hussein. "Não foi de forma alguma o primeiro, mas foi um dos meus fracassos mais importantes, aquele com o impacto mais amplo. O evento ganhará um parágrafo de destaque em meu obituário", escreveu Powell.

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Um republicano moderado e pragmático, Powell recebeu um convite para tentar se tornar o primeiro presidente negro dos EUA em 1996, mas as preocupações com sua segurança, expressas principalmente por sua esposa Alma, e a falta de "paixão" pela política eleitoral o fizeram rejeitar a proposta.

"Tal vida requer um chamado que ainda não ouço", disse Powell a jornalistas, em 1995. "E, para mim, fingir outra coisa, não seria honesto comigo mesmo e não seria honesto com o povo americano." No pleito do ano seguinte, ele apoiou o republicano Bob Dole, que acabou derrotado por Bill Clinton.

À época, sua popularidade estava em alta devido ao sucesso da investida militar no Golfo. Pesquisas de opinião apontavam que mais de 70% dos americanos o viam de forma positiva, e Powell recebeu algumas das maiores honras possíveis no país, como a Medalha de Ouro do Congresso e a Medalha Presidencial da Liberdade, a qual ele recebeu duas vezes, de Bush pai (1991) e de Clinton (1993).

Em 2000, foi novamente cotado como um candidato do Partido Republicano à Presidência, mas, em vez disso, declarou seu apoio a Bush, argumentando que o então governador do Texas ajudaria a reduzir as tensões raciais nos EUA.

Em 2008, ele rompeu com seu partido para apoiar o democrata Barack Obama, que se tornou o primeiro afroamericano eleito para a Casa Branca. Na ocasião, seu endosso à candidatura de Obama representou um impulso significativo, já que Powell era um dos homens negros mais bem-sucedidos do país.

Como principal oficial militar dos EUA, ele se opôs a permitir que pessoas abertamente homossexuais servissem nas Forças Armadas, mas mudou sua visão em 2010, depois que Obama se tornou o primeiro presidente a endossar a união homoafetiva.

Desde 2005, quando deixou o Departamento de Estado, Powell se dedicava ao trabalho de consultor estratégico na empresa de capital de risco Kleiner Perkins. Embora na vida privada, não deixou de manifestar suas opiniões políticas e seu apoio ou rejeição a candidatos envolvidos na disputa pela Casa Branca.

Além de ter apoiado Obama em 2008 e em 2012, elogiando a capacidade do democrata em inspirar e a "natureza inclusiva de sua campanha", Powell manteve o rompimento com os republicanos ao declarar voto em Hillary Clinton na eleição de 2016. Donald Trump, que acabou vencendo a disputa naquele ano, era, para Powell, "uma desgraça nacional e um pária internacional".

No ano passado, em meio às alegações infundadas de fraude eleitoral, o ex-secretário de Estado acusou Trump de ter se afastado da Constituição americana e discursou a favor de Joe Biden durante a Convenção Nacional Democrata.

Em janeiro, depois que uma multidão insuflada por Trump invadiu o Capitólio no episódio que é considerado uma das maiores ameaças da história à democracia dos EUA, Powell afirmou, em entrevista à CNN, que já não se considerava um republicano e estava apenas assistindo aos eventos do país a que serviu por quase meio século.

REPERCUSSÃO

"Ele foi um grande servidor público, começando como soldado durante [a guerra do] Vietnã. Muitos presidentes confiaram nos conselhos e na experiência do General Powell. Ele era tão favorito dos presidentes que ganhou a Medalha Presidencial da Liberdade —duas vezes. Ele era muito respeitado em casa e no exterior. E o mais importante, Colin era um homem de família e um amigo."

GEORGE W. BUSH, ex-presidente dos EUA (2001-2009)

"O mundo perdeu um dos maiores líderes que já testemunhamos. Ele tem sido meu mentor por vários anos. Ele sempre arranjou tempo para mim e eu sempre poderia ir até ele para questões difíceis. Ele sempre teve ótimos conselhos."

LLOYD AUSTIN, secretário de Defesa dos EUA (e primeiro negro no cargo)

"Embora tenhamos crescido em contextos diferentes, nos unimos por causa das histórias de imigrantes de nossa família, nosso profundo amor pela América e nossa crença na importância do serviço público. Ele era um homem sábio e de princípios, um amigo leal e uma das pessoas mais gentis que já conheci. Sou uma pessoa melhor por tê-lo conhecido, e a América é um lugar melhor por causa dele."

MADELEINE ALBRIGHT, secretária de Estado dos EUA no governo Clinton (primeira mulher no cargo)

"Colin foi uma figura de destaque na liderança militar e política americana ao longo de muitos anos, alguém de imensa capacidade e integridade, uma personalidade extremamente agradável e calorosa e um grande companheiro, com um senso de humor adorável e autodepreciativo."

TONY BLAIR, ex-primeiro-ministro do Reino Unido

"Embora discordássemos em muitas questões, sempre o respeitei e tive orgulho de suas conquistas. Quando nos encontramos e conversamos, sempre saí sentindo que ele era um homem sincero e comprometido com aquilo em que acreditava. Descanse em paz."

AL SHARPTON, reverendo e ativista de direitos civis nos EUA