SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Morreu aos 84 anos o ex-presidente da Argélia Abdelaziz Bouteflika, anunciou o governo do país nesta sexta-feira (17). Veterano da guerra pela independência do país, Bouteflika ficou no cargo por 20 anos, 6 deles em estado vegetativo após sofrer um acidente cardiovascular em 2013.

O ex-presidente deixou o governo em abril de 2019, após protestos em massa contra sua tentativa de buscar um quinto mandato. Desde 2013, porém, ele raramente era visto em público, e aparecia em imagens em salas pouco iluminadas, cercado por enfermeiros-assessores.

Nascido em 1937, Bouteflika entrou na política em sua terra natal, Ujda, no vizinho Marrocos, onde participa da formação de uma das principais unidades da Frente de Libertação Nacional (FLN).

O movimento derrubou o potentado colonial francês numa das mais intensas lutas da descolonização africana, retratada no filme "A Batalha de Argel" (1966).

Conhecedor do terreno e dos atores locais, o famoso clã de Ujda venceu a disputa pelo poder dentro da FLN contra o grupo de ideólogos exilados na França e assumiu o comando do Estado independente.

Em 1963, aos 26 anos, Bouteflika tournou-se ministro das Relações Exteriores e acabou virando um ícone da luta anti-imperialista no Sul Global.

Durante os 15 anos que passou no cargo, a capital Argel acolheu líderes do mundo todo, inclusive o governador pernambucano Miguel Arraes, recebido em 1965. À época, o então ministro apoiava a luta armada de movimentos anticoloniais em Angola e Moçambique.

Presidente da Assembleia Geral da ONU em 1974, Bouteflika convidou o líder palestino Yasser Arafat para participar do evento, no que foi visto como um passo histórico em direção ao reconhecimento internacional do Estado palestino. O argelino também defendia o direito da República Popular da China ocupar um assento na ONU, em um período em que os comunistas ainda não eram formalmente reconhecidos, e o fim do apartheid na África do Sul.

Um dos episódios mais delicados de sua gestão se deu em 1975, quando o terrorista Ilich Ramirez Sanchez, conhecido como "Carlos, o Chacal" aterrissou em Argel um avião repleto de reféns tomados durante um ataque à sede da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, em Viena.

Numa negociação definida como "eficaz, relaxada e supertranquila", segundo telegrama da época do embaixador americano em Argel, Bouteflika desarmou a situação e Carlos entregou os reféns em menos de 48 horas.

A chegada ao poder de uma nova geração de generais formada na União Soviética interrompeu o período áureo da carreira do político. Junto de fundadores da FLN, ele foi marginalizado e iniciou uma nova vida no exílio em Dubai, como conselheiro de monarcas do Oriente Médio.

Nos anos 1990, porém, protestos em massa irromperam pedindo uma reforma eleitoral e o país entrou em guerra civil, que deixou 200 mil mortos, a partir de 1992, quando o governo cancelou as eleições legislativas temendo uma vitória iminente da Frente Islâmica de Salvação.

Após anos de conflito, em 1999 as Forças Armadas resolvem conduzir Bouteflika à Presidência. Celebrado como o regresso a um passado idealizado, o governo Bouteflika contribuiu para a pacificação do país e para a reorganização do aparelho de Estado, mas acabou se tornando uma espécie de fantoche dos militares.

Traumatizado pelo conflito dos anos 1990 e aproveitando a alta de preços das commodities, o governo conseguiu evitar uma edição local da Primavera Árabe, que sacudiu os vizinhos em 2010.

Ele não foi poupado, porém, quando tentou emplacar um quinto mandato após anos sem aparecer em público e deixou o poder em 2019.

O governo ainda não informou a causa da morte do ex-presidente.