BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governador de São Paulo e pré-candidato a presidente, João Doria (PSDB), tem aproveitado desgastes sofridos pela pré-candidatura de Sergio Moro (Podemos) para se distanciar do ex-juiz da Lava Jato.

Ambos já afirmaram publicamente que negociam uma aliança para o pleito deste ano, mas, nas últimas semanas, a relação entre os dois esfriou e a possibilidade de um ser vice do outro passou a ser vista nos bastidores como cada dia mais reduzida.

A estagnação de Moro nas pesquisas é apontada por interlocutores tucanos como um dos fatores que levou Doria a mudar de estratégia e se afastar do ex-ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Logo após o lançamento da candidatura ao Palácio do Planalto, Moro chegou a aparecer com dois dígitos em algumas pesquisas e gerou a expectativa de que poderia se consolidar como o único capaz de vencer o atual chefe do Executivo e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na época, ganhou força no entorno de Doria a avaliação de que a entrada do ex-juiz na disputa o deixaria sem espaço para crescimento, o que tornaria a indicação de vice na chapa do Podemos como a melhor saída para participação do tucano no pleito nacional.

Cinco meses depois de Moro se lançar ao Planalto, no entanto, ele oscilou para baixo nas pesquisas, enfrentou desgastes com correligionários e não conseguiu atrair aliados de peso para seu partido.

O novo cenário alterou a avaliação do grupo de Doria sobre o ex-juiz, que também passou a tratar o governador paulista de forma diferente. Apesar de afirmarem publicamente que mantêm disposição em formar uma aliança, o candidato do PSDB iniciou um processo de descolamento da imagem de Moro.

O ex-juiz, por sua vez, também tem visto a chance de firmar uma parceria com o governador como pequena e diminuiu os acenos públicos que vinha fazendo em direção ao PSDB.

Em entrevista no último dia 14, Doria fez pela primeira vez uma análise negativa da candidatura do ex-juiz.

O chefe do Executivo paulista aproveitou a polêmica sobre o áudio em que o deputado estadual Arthur do Val (sem partido-SP) dá declarações sexistas sobre mulheres ucranianas para alfinetar o ex-juiz da Lava Jato.

Ele falou três vezes que o episódio protagonizado pelo então candidato de Moro ao governo de São Paulo "fragilizou" a campanha do ex-ministro.

"Machucou, na minha visão, a candidatura do Sergio Moro, ainda que ele tenha tido a atitude correta, a meu ver, de repugnar e condenar os áudios e a postura do Arthur do Val. Mas feriu a candidatura dele e feriu também o Podemos", disse o tucano.

Ele afirmou que não desejava "falar mal" de Moro, mas fez uma avaliação negativa do episódio. "Foi um dano grande, não foi pequeno não", disse.

Um dia depois da divulgação desta entrevista de Doria, Moro reagiu e negou que o vazamento do áudio tenha prejudicado sua campanha.

"Não creio. Esse episódio foi lamentável, eu manifestei de pronto meu repúdio àquelas declarações inaceitáveis, o deputado se afastou tanto da construção da candidatura dele como também do próprio MBL e do Podemos. Não vejo como isso possa sinceramente afetar nada", disse.

A saída de Arthur do Val da disputa em São Paulo ainda ajudou a reforçar outra fragilidade da campanha de Moro, na visão do ninho tucano: a falta de palanques estaduais.

A proximidade que o PSDB tem mantido com o União Brasil e o MDB também é resultado do movimento de Doria para se descolar do ex-juiz.

Os três partidos, assim como o Cidadania, com quem os tucanos formaram uma federação, mantêm conversas frequentes e tentam chegar a um consenso para caminhar juntos em 2022.

Em declarações públicas, integrantes das quatro legendas negam que as reuniões representem uma tentativa de isolar Moro das conversas para uma futura aliança de centro para enfrentar Lula e Bolsonaro.

Nos bastidores, porém, a avaliação entre eles é que a melhor estratégia neste momento é chegar a um consenso para só depois iniciar uma negociação de fato com o ex-juiz.

Os partidos também veem o Podemos como um ponto fraco de Moro. As demais legendas que tentam representar a terceira via têm mais capilaridade no país, maior número de deputados, vereadores e representações municipais.

Além disso, têm uma história mais antiga na política e seus respectivos candidatos, seja Doria no PSDB ou a senadora Simone Tebet (MDB-MS) no MDB, têm mais influência interna nas legendas.

Em relação a Moro, a aposta é que ele poderá até deixar o Podemos depois do pleito caso seja derrotado, uma vez que o controle interno está concentrado na presidente nacional, a deputada Renata Abreu (Podemos-SP).

Em entrevista nesta semana, Moro negou que tenha esfriado as negociações com os demais partidos de centro e disse que acredita que as articulações devem se intensificar depois de abril, quando for encerrada a janela que autoriza a troca de partido sem perda de mandato.

"A gente tem que entender que o foco está nesse período de transferência, o foco dos partidos tem sido formar as bancadas nos estados, então a cabeça está um pouco voltada a isso", disse.

Segundo ele, mesmo que não haja consenso entre as siglas, todas têm um pacto para estabelecer que "os reais adversários" são Lula e Bolsonaro.

Moro disse que "é muito cedo" para afirmar que as legendas não conseguirão chegar a um acordo para lançar candidatura única.

"O que existe agora é a fase de pré-campanha e diversas pessoas estão querendo apresentar seus projetos e temos que respeitar. Meu entendimento é que o ideal é que nós tenhamos uma candidatura única, mas se isso não for possível construir, o eleitor vai decidir por isso lá adiante, vai fazer essa construção pelo mundo político. Evidentemente isso não significa que não estejamos dialogando".