Moradores de SP criam grupos de WhatsApp para combater sensação de insegurança
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terça-feira, 15 de março de 2022
ALFREDO HENRIQUE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mesmo sem estatísticas oficiais, a sensação de insegurança na capital paulista está aumentando desde o ano passado, quando a flexibilização para a convivência social, em meio à pandemia da Covid-19, começou a atrair mais pessoas às ruas.
Moradores da região central e das zonas leste e oeste relataram à reportagem mudanças de hábitos, de rotina, e até de endereço, tomadas para evitar roubos, ou minimizar os prejuízos em eventuais abordagens criminosas.
Dennis Pacheco, pesquisador do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), afirma que a "fala sobre o crime", ocorrida também no compartilhamento de vídeos e relatos sobre violência, por meio da internet, reforça a sensação da "iminência de ser vítima."
O investimento em segurança particular, incluindo câmeras de monitoramento, aliado ao abandono do centro, principalmente após o início da pandemia do coronavírus, corrobora essa sensação de insegurança, acrescenta o especialista.
Carlos Alexandre de Oliveira, diretor de relações de Poder da Associação Viva Leopoldina, na zona oeste, afirmou que a violência se acentuou na região há cerca de seis meses, com criminosos realizando sequestros-relâmpagos, além de fingirem ser entregadores de aplicativo para, com motos, realizar roubos.
A mesma prática ocorre em outras regiões nobres da capital e em seus entornos.
"Só saio de casa durante o dia e para locais essenciais, como farmácia, mercado, com estacionamento iluminado. Vou sem relógio e evito usar o celular em lugares abertos. Vou também com roupas simples para não chamar a atenção", explicou Oliveira.
Moradores da Vila Leopoldina também receberam vídeos de roubos ocorridos em Moema, na zona sul paulistana, em que criminosos com motos abordam vítimas, nas calçadas, fingindo ser entregadores de aplicativo.
Dados do 91º DP (Ceagesp), responsável pela região da Vila Leopoldina, indicam que entre 2020 e 2021 os furtos aumentaram 11,2%, de 1.260 para 1.402, e os furtos de veículos foram de 280 para 420, alta de 50%.
Já em janeiro deste ano foram registrados 35 roubos, praticamente um por dia. No mesmo mês de 2021 foram 36 casos do tipo e, em 2020, foram 65, dois meses antes do início da pandemia da Covid-19.
Dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) indicam aumento nos registros de sequestros-relâmpagos na capital paulista. Foram 19 casos em 2021, sete em 2020 e quatro em 2019.
CENTRO
No centro de São Paulo, adolescentes em bicicletas contribuem para o aumento da insegurança, segundo relatado por moradores, incluindo no entorno do edifício Copan, um dos cartões postais da cidade, e na rua Helvétia, via que dá acesso à cracolândia.
O centro possui regiões, como a da República, que lideram as estatísticas de roubos de celular.
A publicitária Pollyana Mattos, 38, morou por dez anos no Copan, para onde foi assim que se mudou de Atibaia (64 km da capital). Sua intenção era permanecer na capital, mas ela voltou para sua cidade após presenciar cenas de violência na região central.
"Me mudei com dor no coração, pois amo o centro de São Paulo. Mas, neste momento, não dá para morar lá nem na cidade como um todo, por causa da insegurança que sentia", desabafou. "Ao longo do dia, não importa o horário, dá para ver grupos de 10, 15 adolescentes em bicicletas procurando alguém distraído. Já vi um rapaz apanhando de um grupo de jovens, quando eles perceberam que ele estava sem celular."
"Dormia mal, tinha crises de ansiedade também. A gota d'água foi quando vi, há uns sete meses, um rapaz sendo esfaqueado por um grupo de bicicleta. Quando isso aconteceu, decidi voltar para o interior", completou.
Affonso Celso, síndico do Copan e morador da região há cerca de 50 anos, afirmou usar seu celular somente em "ambientes controlados". Ele acrescentou que há um grupo de mensagens, usado por moradores do Copan, para que se mantenham informados sobre movimentações suspeitas na região.
Na esquina da rua Helvétia com a alameda Barão de Limeira, moradores reclamam que supostos usuários de droga invadem comércios e também quebram vidros de carros, retirando objetos dos veículos.
A onda de violência também muda a rotina no entorno de escolas em bairros de alto padrão em São Paulo. No último dia 3, o autônomo Valdemir de Jesus Mota, 46, morreu 14 dias depois de ser ferido a tiros em frente à Escola Mais, no Morumbi, logo após deixar o filho na instituição.
O 89º DP (Portal do Morumbi) investiga o caso, mas ainda não identificou nem prendeu a dupla envolvida no crime.
A reportagem esteve no local no dia 7 e constatou que a escola contratou uma empresa de segurança particular para auxiliar na segurança.
O empresário Carlos Otávio, 46 anos, falou com a reportagem, logo após deixar o filho de 8 anos no local. Nascido e criado no Capão Redondo, na zona sul, ele afirmou que "nunca" sentiu em seu bairro de origem a sensação de medo vivenciada na região nobre da cidade.
A reportagem ainda foi até as redondezas da Escola Avenues, também no Morumbi, onde foi constatada uma situação diferente. A instituição de ensino, com mensalidades que ultrapassam os R$ 12 mil, conta com um aparato de segurança particular, além de centenas de câmeras.
"Ando com meu celular tranquilamente, pois sei que ninguém vai se arriscar a pegar ele de mim aqui. Mas fora da região [com segurança particular] as coisas mudam", afirmou a babá Ariana do Carmo, 32.
O cobrador Lucimário Nogueira, 33, disse sentir-se inseguro nos pontos e dentro dos ônibus, onde afirma serem constantes os arrastões. "Entram dois ladrões junto com os passageiros. Quando as portas se fecham, eles anunciam o roubo e fazem a limpa em todo mundo. É pobre roubando pobre", disse.
Na Mooca, na zona leste paulistana, milhares de moradores trocam informações, por meio do WhatsApp, sobre atitudes suspeitas na região. Chamado de Vigia Mooca, o sistema criado em 2018 conta com cerca de 5.000 pessoas, divididas em 80 grupos que monitoram e recebem informações gratuitamente.
Há ainda 50 câmeras de monitoramento espalhadas pelo bairro. A entrada nos grupos é gratuita, mas para ter acesso às imagens, é cobrada uma mensalidade de R$ 50, usada para a manutenção dos equipamentos.
"O sistema deixa as pessoas mais seguras. Qualquer problema identificado é avisado nos grupos, que alertam sobre possíveis riscos", explicou o idealizador do projeto, o publicitário Daniel Rodrigues Santiago, 38.
AÇÕES PREVENTIVAS
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirma que amplificou as ações preventivas e ostensivas de policiamento, "em diferentes regiões da capital". Dentre elas, destaca a operação Hércules, que visa coibir roubos, principalmente os realizados com o uso de motos.
Desde o último dia 9, a SSP afirma que policiais atuam em Moema e no Brooklin, ambos na zona sul. Desde então, oito suspeitos foram presos. Com um deles, foram apreendidos sete celulares. Também foram apreendidas cinco motocicletas, supostamente usadas nos crimes.
A SSP acrescentou que é preciso considerar a "atipicidade" de 2020, quando foi decretada a pandemia da Covid-19, para considerar as estatísticas criminais na cidade.
Nenhuma atualização sobre os casos mencionados nesta reportagem foi encaminhada.
Sobre os sequestros-relâmpagos na Vila Leopoldina, Roberto Bortoni, presidente do Conseg (Conselho de Segurança) local, afirmou que o bairro sofreu no mês passado "com denúncias infundadas de sequestro-relâmpago", e que tais suspeitas "foram desmentidas" tanto pela PM como pela Polícia Civil.

