SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Moradores de Heliópolis, maior favela de São Paulo (zona sul da capital), realizaram protesto contra a fome e o desemprego na noite desta quarta-feira (24).

Com panelas vazias, cartazes e velas (em referência ao encarecimento da conta de luz e em homenagem aos mortos pela Covid-19), os manifestantes também protestaram contra a piora das condições materiais nas periferias do país.

"É muito triste sua filha pedir um pão e você não poder dar porque está tudo tão caro", diz Simone de Bezerra Oliveira, desempregada, que participou do protesto, que foi chamado de "Marcha da Panela Vazia".

Maria da Piedade Santos, 33, diz que doações de cestas básicas tornaram-se a principal fonte de alimentos para seus quatro filhos durante a pandemia. Ela sustenta sozinha os meninos de 15, 13 e 9 anos e uma bebê de sete meses. Sem emprego, faz bicos do que aparece.

"Vim lutar pelo nosso direito de ter comida na panela."

A marcha começou às 18h30, com concentração em frente à sede da Unas (União de Núcleos e Associações dos Moradores de Heliópolis e Região) em Heliópolis, e percorreu as ruas da região. Segundo estimativa da organização, cerca de mil pessoas participaram. O protesto foi encerrado por volta das 20h30 com um ato ecumênico em frente à Igreja de Santa Edwiges, que reuniu representantes das igrejas católica, evangélica e religiões de matriz africana da comunidade.

Os participantes também entoaram coros de "Fora Bolsonaro" e receberam apoio de moradores nas janelas da comunidade, que batiam panelas e protestavam contra o governo. Foi realizada uma homenagem aos moradores da comunidade mortos pela Covid-19, com a leitura dos nomes das vítimas por um carro de som.

O ato foi organizado por grupos de moradores e associações locais, como a Unas e a Associação Nova Heliópolis (Associação dos Moradores de Heliópolis e Ipiranga).

As associações são filiadas à CMP (Central de Movimentos Populares), integrante da coalizão de entidades intitulada "Fora Bolsonaro" que tem ajudado a organizar pelo país atos contra a fome, o racismo e o governo desde maio.

Segundo o coordenador da CMP e morador de Heliópolis, Raimundo Bonfim, o ato foi no bairro e no fim da tarde para viabilizar a participação dos moradores, que geralmente trabalham durante o dia —mesmo nos finais de semana— e têm dificuldade para se deslocar até as regiões centrais, onde os últimos protestos aconteceram.

"Queremos motivar atos como esse nas periferias, onde a fome pesa mais do que regiões de classe média", diz Bonfim.

Nos últimos 12 meses, a inflação acumulada de alimentos e bebidas atingiu 11, 71%, segundo o IPCA. O reajuste no preço dos alimentos chegou a 40% durante a pandemia. A indústria de alimentos prevê que os preços devem continuar pressionados até o início de 2022.

A inflação acumulada pesa mais no bolso de famílias com renda menor, segundo pesquisa da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), e foi puxada pelo avanço dos preços na alimentação e habitação.

A inflação e o desemprego durante a pandemia também têm feito moradores de perferia revirarem o lixo e atravessarem a cidade em busca de doações de alimentos. Levantamento da Rede Penssan (Rede Brasileira em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) aponta que 19,1 milhões de brasileiros sofrem com insuficiência alimentar grave, passando mais de 24 horas sem ter o que comer.

"Quem tem fome tem pressa. E queremos uma política de inclusão social, e não um programa que acabe depois da eleição ano que vem", diz Antonia Cleide Alves, moradora de Heliópolis há 52 anos e presidente da Unas.

Com o avanço da fome e dos preços, aumentou a demanda por sobras e itens antes descartados e o país tem registrado cenas como a disputa de pessoas por ossos em caminhão no Rio de Janeiro e a venda de ossos "de primeira" e "de segunda" em Fortaleza.