RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Duas empresas contratadas irregularmente, sem licitação, por R$ 29 milhões pelo Ministério da Saúde, na gestão do general Eduardo Pazuello, enviaram suas propostas para as obras fora do prazo previsto em chamamento público. Elas deveriam empreender reformas em prédios da pasta.

Ambas excederam em um dia os prazos publicados em Diário Oficial, mas foram aceitas pela superintendência do ministério no Rio de Janeiro sem justificativa declarada.

As duas contratações irregulares, reveladas na terça-feira (18) pelo Jornal Nacional da TV Globo, foram canceladas em razão das ilegalidades apontadas pela AGU (Advocacia-Geral da União). A anulação dos acordos ocorreu antes do início das obras ou de repasse de dinheiro público.

As contratações previam a reforma da sede da superintendência na capital fluminense (R$ 19,9 milhões) e de um galpão da pasta para a guarda de documentos (R$ 8,9 milhões).

Os dois contratos, firmados em novembro e dezembro de 2020, foram enviados, logo após serem assinados, para o então secretário-executivo do ministério, o coronel Élcio Franco.

Ele, que era o segundo no comando da pasta, havia recebido delegação de Pazuello para autorizar contratos que superassem o valor de R$ 1 milhão.

Não há nos processos manifestação de Franco ou Pazuello sobre os acordos.

O superintendente à época da assinatura dos contratos, coronel George Divério, segue no cargo na atual gestão do ministério, sob Marcelo Queiroga.

A justificativa para a ausência de licitação na obra mais cara foi o risco que as falhas estruturais dos prédio poderiam causar aos servidores da pasta. No caso do galpão, a superintendência apontou a necessidade urgente para armazenamento dos documentos em local adequado.

A AGU, porém, questionou as duas justificativas tendo em vista os valores envolvidos.

Na reforma da sede fluminense do ministério, a AGU apontou, por exemplo, que o custo com "pintura de paredes, tetos, grades, janelas e corrimões" correspondia a R$ 4,6 milhões, ou 23% do valor do contrato.

O órgão também questionou a reforma do auditório do local, bem como a instalação de iluminação automática de LED colorido nas duas fachadas do prédio, ao custo de R$ 2,4 milhões.

"Reputa-se irregular a contratação por dispensa de licitação, quanto aos serviços contemplados no objeto que não se destinem ao atendimento direto e estrito da situação de emergência", afirma o parecer da AGU.

Em relação ao galpão, a AGU entendeu que "a transferência física de todo acervo documental para uma nova edificação que demanda adequações físicas estimadas em R$ 8,9 milhões não parece amoldar-se ao preconizado no dispositivo supracitado [de contratação emergencial], pois visa corrigir um problema endêmico e duradouro do órgão assessorado".

Documentos dos processos de contratação mostram que a escolha das empresas foi rápida e não respeitou os prazos exíguos determinados pela própria superintendência.

O chamamento público para a reforma da sede do ministério no Rio de Janeiro, feito no dia 19 de novembro de 2020, tinha como prazo para envio de propostas o dia 24 do mesmo mês. A empresa SP Serviços e Locação, vencedora na disputa, enviou seu orçamento um dia depois.

O mesmo ocorreu com a Lled Soluções Instalações e Reformas. O prazo para o envio de propostas para a reforma do galpão era 1º de dezembro, um dia depois da publicação do chamamento, no dia 30 de novembro. A firma só mandou os documentos no dia 2, tendo sido a única concorrente.

Os dois contratos foram alvo de questionamento pela AGU em dezembro. A reforma da sede foi cancelada no dia 18 de dezembro, três dias após o parecer jurídico apontando irregularidades.

A reforma do galpão foi anulada em 2 de fevereiro de 2020, pouco mais de um mês da AGU indicar as falhas na contratação.

A AGU defendeu que o caso fosse apurado, mas a superintendência fluminense do ministério entendeu não ser o caso, porque não houve gasto de dinheiro público.

A área jurídica do governo discordou do entendimento e enviou cópias dos contratos para a CGU (Controladoria-Geral da União) e o TCU (Tribunal de Contas da União).

Procurado, o Ministério da Saúde afirmou, em nota, que "iniciou a apuração dos fatos ao tomar conhecimento da denúncia", sem precisar a data em que isso ocorreu.

"Caso as irregularidades sejam comprovadas, elas serão encaminhadas aos órgãos competentes e adotadas as devidas sanções", disse a pasta.

O dono da SP Serviços e Locação, Jean Oliveira, afirmou que a contratação seguiu trâmites normais e que não recorda por que a razão a proposta foi enviada após o prazo divulgado.

"Acho que autorizaram o envio depois", disse ele.

A Lled afirmou, em nota, que entendeu que poderia seguir na disputa porque solicitou o projeto básico e material de apoio para elaboração do orçamento no dia em que se encerrava o prazo, 1º de dezembro.

"No mesmo dia, o órgão, sem se opor, nos enviou a documentação requerida. Dessa forma, entendemos que poderíamos prosseguir", disse a empresa.

A firma afirmou ainda que tem capacidade técnica para elaborar um orçamento desse porte em um dia.

"A LLEd é uma empresa especializada em reforma e engenharia, com oito anos de atuação no mercado, equipe especializada e banco de dados, que facilitam a elaboração das propostas de preços e planilha", diz a nota.

A Superintendência do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem.