BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro Milton Ribeiro (Educação) foi exonerado do cargo nesta segunda-feira (28) para tentar reduzir o desgaste do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ele escreveu uma carta de demissão, entregue ao presidente nesta tarde no Palácio do Planalto, e a exoneração foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União.

Ribeiro se tornou alvo de grande pressão após a revelação de indícios de um esquema informal de obtenção de verbas envolvendo dois pastores sem cargo público, o que incluía pagamento de propina —Bolsonaro repete que em seu governo não há casos de corrupção.

Prefeitos apontam que essa espécie de balcão de negócios no MEC seria operado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, ligados a Bolsonaro, e priorizava a liberação de valores para gestores próximos a eles e a prefeituras indicadas pelo centrão, bloco político de sustentação ao governo.

Logo no início da carta, Milton Ribeiro escreve que "desde o dia 21 de março minha vida sofreu uma grande transformação". Foi neste dia que o jornal Folha de S.Paulo revelou áudio em que o próprio ministro diz priorizar amigos do pastor Gilmar Santos a pedido de Bolsonaro e sugere ainda haver uma contrapartidada supostamente direcionada à construção de igrejas.

Afirma ainda que jamais praticou atos ilegais. "Tenho plena convicção que jamais pratiquei ato de gestão que não fosse pautado pela legalidade, pela probidade e pelo compromisso com o Erário. As suspeitas de que foram cometidos atos irregulares devem ser investigadas com profundidade", diz a carta.

"Tomo esta iniciativa com o coração partido. Prezo pela verdade e sei que a verdade requer tempo para ser alcançada. Sei de minha responsabilidade política, que muito se difere da jurídica", afirmou no texto.

Em uma primeira versão da missiva, compartilhada por membros do governo e parlamentares, Ribeiro afirmava que voltaria ao governo depois de demonstrar sua inocência. Isso foi retirado na versão final.

"Agradeço e despeço-me de todos que me apoiaram nesta empreitada, deixando o compromisso de estar pronto, caso o Presidente entenda necessário, para apoiá-lo em sua vitoriosa caminhada", escreveu o ministro, encerrando a carta com o bordão de campanha de Bolsonaro, "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Interlocutores relataram à reportagem que o ministro inicialmente havia discutido uma licença do posto para se concentrar em sua defesa. Mas destacaram que não havia justificativa para que o ministro apresentasse uma licença e que, portanto, haveria a exonerado.

Com a saída de Ribeiro, o MEC deve ficar sob o comando do secretário-executivo, Victor Godoy Veiga. Mas aliados do centrão já cobiçam o cargo.

Na última quinta-feira (24), Bolsonaro disse que 'bota a cara no fogo' por Ribeiro, que é evangélico e pastor, mas diante das recentes revelações perdeu o apoio até mesmo de integrantes da bancada evangélica no Congresso.

ÁUDIO DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO

A situação do ministro se agravou na segunda-feira da semana passada, após a revelação pela Folha de S.Paulo de áudio em que Ribeiro afirma que o governo prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos pastores Gilmar e Arilton.

Na gravação, Ribeiro diz ainda que isso atende a uma solicitação de Bolsonaro e menciona pedidos de apoio que seriam supostamente direcionados para construção de igrejas. A atuação dos pastores junto ao MEC foi revelada anteriormente pelo jornal O Estado de S. Paulo.

"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", diz o ministro na conversa obtida pela Folha de S.Paulo em que participaram prefeitos e os dois religiosos.

Em seguida, o prefeito Gilberto Braga (PSDB), do município maranhense de Luis Domingues, afirmou que um dos pastores que negociam transferências de recursos federais para prefeituras pediu 1 kg de ouro para conseguir liberar verbas de obras de educação para a cidade.

A declaração do prefeito foi dada ao jornal O Estado de S. Paulo, e a Folha de S.Paulo confirmou com outras duas pessoas presentes no local onde o pedido de propina foi feito.

Já na sexta-feira, em entrevista à Folha de S.Paulo, o prefeito de Piracicaba (SP), Luciano Almeida (União Brasil), disse que recebeu um pedido de dinheiro para que o município abrigasse um evento com a presença do ministro Milton Ribeiro em agosto de 2021.

O gestor municipal afirma que se recusou a fazer o pagamento e que o encontro acabou não se concretizando. A Folha de S.Paulo ouviu de dois servidores do alto escalão do MEC que os pastores com supostos privilégios dentro da pasta estariam à frente dessa negociação.

Os pastores Gilmar e Arilton têm, ao menos desde janeiro de 2021, negociado com prefeituras a liberação de recursos federais para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos de tecnologia.

Os dois pastores têm proximidade com Bolsonaro desde o primeiro ano do governo. A atuação dos pastores junto ao MEC foi revelada anteriormente pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Na semana passada, Ribeiro negou em nota ter determinado alocação de recursos para favorecer qualquer município. Ele afirmou ainda que Bolsonaro não teria pedido para que os pleitos dos pastores fossem atendidos, mas somente que todos os indicados por eles fossem atendidos.

As revelações a respeito do balcão de negócio do MEC resultaram na instauração de apurações. A Polícia Federal abriu na sexta-feira (25) dois inquéritos que miram a atuação dos pastores na liberação de verbas do ministério.

O primeiro deles foi aberto na Superintendência da PF no Distrito Federal e irá apurar as suspeitas apontadas em um relatório da Controladoria-Geral da União sobre distribuições de verbas do FNDE (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação).

O FNDE é um órgão ligado ao MEC controlado por políticos do centrão, bloco político que dá sustentação a Bolsonaro desde que ele se viu ameaçado por uma série de pedidos de impeachment e recorreu a esse apoio em troca de cargos e repasses de verbas federais. O fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios.

A outra investigação foi instaurada na sede do órgão, no setor que cuida de inquéritos que tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal), e tem como alvo o ministro Milton Ribeiro e a fala dele em áudio revelado pelo jornal Folha de S.Paulo.

No caso do ministro, serão apuradas suspeitas de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa.

O inquérito que mira Ribeiro foi autorizado pela ministra Cármen Lúcia, do STF, e atendeu a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Além do flanco jurídico, o caso envolvendo Ribeiro e os pastores tem potencial de prejudicar a campanha pela reeleição de Bolsonaro. Pessoas próximas ao presidente chegaram a aconselhá-lo desde que o caso eclodiu a demitir o ministro da Educação, justamente para evitar o desgaste político.

Bolsonaro, no entanto, resistiu a demitir o auxiliar. O principal argumento da ala que defende a demissão —ou ao menos o afastamento— do ministro é que as suspeitas abalam o discurso repetido à exaustação por Bolsonaro de que ele comanda um governo sem corrupção.