RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Por dez anos, Jessikinha nunca faltou a um duelo de rap. Começou aos 13 na praça Roosevelt, no centro de São Paulo, e terminou aos 23 como "figurinha carimbada" na Batalha da Aldeia, point da juventude do hip-hop de Barueri, na região metropolitana de São Paulo.

As rimas "tocavam na sua alma", afirmou ao amigo MC Bob 13 —fundador da Batalha da Aldeia— durante um podcast, numa das raras vezes em que falou sobre si. A entrevista, segundo ele, fez as pessoas a enxergarem além da "casca de proteção que criou para lidar com os problemas da vida".

Na sua não foram poucos. Aos quatro anos, perdeu a mãe, arrastada por uma enchente ao pedir um táxi em Pirituba, na zona norte de São Paulo —foi criada pela avó Neide. Na pré-adolescência, descobriu o diabetes tipo 1, que a fazia passar mal com frequência.

Só em dezembro e janeiro foram cerca de dez internações, conta a amiga Karina Yoshinari, 30, uma das poucas que ela escutava ao bater o pé e dizer que sairia para as batalhas de qualquer jeito. "Ela viveu e morreu pelo rap, ia direto da UTI. Falava que tinha que cantar", lembra.

Abusos sexuais, dificuldades financeiras e o abandono da escola também fizeram parte da trajetória de Jéssica. Por isso, superação e coragem eram temas recorrentes nos seus improvisos, que sustentava com a fala firme e o olhar profundo.

Não tinha medo de bater de frente com ninguém, mesmo quando era a única mulher em rodas com homens, e incentivou muitas a frequentá-las. Nem o bullying que sofria na internet pelas rimas truncadas, de gente que nunca conheceu sua história, a fizeram desistir.

"Se eu fosse realmente parar para ligar sobre o que as pessoas pensam de mim, eu já não estava nem aqui mais", rebateu durante o podcast. "As batalhas foram um refúgio [...]. Não é só por prêmio ou por estar em batalha famosa, é muito mais do que isso para mim", completou.

Segundo Karina, a amiga tinha "uma vida dupla e, para isso, tem que ser muito forte". Por trás da rebeldia, em casa era extremamente carinhosa, até carente, e adorava comer e brincar com as crianças. Tinha uma voz bonita, descoberta quando pequena na igreja evangélica Bola de Neve.

Há dois meses, a avó caiu no banheiro e não resistiu a uma cirurgia na bacia. Já com a saúde bastante fraca, morando sozinha, Jéssica não queria mais tomar os remédios. Passou mal e foi levada ao hospital. Morreu no último dia 28.