Mario Frias acusa filme da Netflix de pedofilia, mas obra segue normas de Bolsonaro
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segunda-feira, 14 de março de 2022
JOÃO PERASSOLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Apesar de o ministro da Justiça, Anderson Torres, afirmar que viu "detalhes asquerosos" no filme "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola", o longa segue as normas da própria pasta para a classificação indicativa de conteúdo sexual. Na noite de domingo (13), o secretário especial da Cultura, Mario Frias, disse que o longa faz apologia do abuso sexual infantil.
Nos dois guias publicados pelo Ministério da Justiça já no governo Bolsonaro, em 2018 e também na versão atualizada de 2021, usados como referência pela indústria audiovisual, conteúdos em que há a indução ou atração de alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual não são recomendados para menores de 14 anos.
"Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola", lançado nos cinemas em 2017 e que chegou à Netflix no início de fevereiro deste ano, tem classificação indicativa de 14 anos, ou seja, está dentro das normas do governo Bolsonaro, ainda que lançado originalmente durante a gestão de Temer.
A comédia com Fábio Porchat e Danilo Gentili no elenco se viu no centro de uma polêmica neste domingo após Frias postar um trecho do filme em seu perfil numa rede social. Na cena destacada, o personagem de Porchat instiga dois garotos menores de idade a pararem de discutir e pede que o masturbem. As crianças reagem com surpresa, negando o pedido.
"O que é isso, preconceito nessa idade? Isso é supernormal, vocês têm que abrir a cabeça de vocês", diz o personagem de Porchat, que em seguida abre a braguilha da calça e puxa a mão de um dos meninos em direção a ela.
Segundo Frias, a cena é uma afronta às famílias, e o longa usa a pedofilia como forma de humor. Ele disse ainda que tomará medidas cabíveis para que as crianças não sejam "contaminadas por esse conteúdo sujo e imoral".
Embora Frias tenha impulsionado a discussão sobre o filme, que entrou para a lista de assuntos mais buscados no Twitter, quem chamou atenção para a cena pela primeira vez foi o deputado bolsonarista André Fernandes, num post na tarde do domingo que atingiu quase 1 milhão de visualizações até o fim da manhã desta segunda (14).
Fernandes disse só ter tomado conhecimento do filme quando este entrou no catálogo da Netflix, streaming que acusou de divulgar "abuso sexual infantil".
O deputado federal Eduardo Bolsonaro também divulgou a cena, num vídeo onde se lê "até quando a família brasileira vai admitir isso?".
Após a repercussão do caso no Twitter, o ministro da Justiça afirmou ter determinado que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública adote "providências cabíveis para o caso".
Gentili entrou na conversa e falou que o maior orgulho de sua carreira é que ele consegue "desagradar com a mesma intensidade tanto petista quanto bolsonarista", num post em que não cita o filme.
A assessoria da Netflix disse que não vai comentar.
Em uma longa resposta, Porchat afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que "temas superpesados são retratados o tempo todo no audiovisual". Ele fez uma defesa de filmes de ficção e disse que quando um vilão faz coisas horríveis num longa, "isso não é apologia ou incentivo àquilo que ele pratica, isso é o mundo perverso daquele personagem sendo revelado".
A de Porchat não respondeu ao contato da reportagem até a publicação. Na época do lançamento do filme, Porchat afirmou a este jornal que "a cena é escrota mesmo, e foi escrita para ser".
Pouco depois que o filme foi lançado nos cinemas, em 2017, o pastor e deputado federal Marco Feliciano fez um post parabenizando Gentili e dizendo que há tempos não ria tanto. Nesta segunda, Feliciano informou que apagou a postagem e disse não se lembrar da cena em questão, porque deve ter saído para atender o telefone na hora.
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, informou ter pedido à Secretaria dos Direitos da Criança e do Adolescente que apure os fatos e tome as medidas cabíveis em relação ao longa.