<p>BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Santos populares latino-americanos, como San La Muerte, as músicas de David Bowie, as cartas do tarô e as tramas de Stephen King se misturam no eclético leque de referências da escritora argentina Mariana Enríquez, de 48 anos.

</p><p>Selecionada nesta semana para a final do Booker Prize com seu livro de contos "Los Peligros de Fumar en la Cama", a escritora, que esteve na Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, em 2019, tem agora editado no Brasil seu mais recente romance, "Nossa Parte de Noite", que sai pela Intrínseca.

</p><p>Nele, além das referências lembradas aqui, está a Argentina contemporânea, a que ficou traumatizada após a última ditadura militar, que vigorou de 1976 a 1983, e que até hoje busca sanar suas feridas.

</p><p>O romance começa com uma viagem de um pai e um filho até Corrientes, depois Misiones, regiões fronteiriças do país com o Paraguai e o Brasil, e explora um universo de mansões assombradas e crendices populares com as quais Enríquez cresceu.

</p><p>"Minha família é daí, e eu guardo uma memória infantil, portanto mítica dessas lembranças. Tinha tias que faziam coisas esquisitas, como matar sapos quando brigavam com alguém ou jogar tantas flores num rio para trazer sorte. E elas mesmas depois iam fazer psicanálise ou colocavam os filhos em colégios caros. Me causava curiosidade essa mescla de crenças e de maneira de ver o mundo", conta Enríquez em entrevista.

</p><p>No livro, que começa em tempos de regime militar, um pai, que é médium e tem o corpo debilitado por uma operação no peito, leva o filho para uma viagem, ao mesmo tempo em que tenta impedir que a mediunidade que ele possui seja herdada pelo garoto.

</p><p>"A ideia do corpo machucado ou doente, faz referência ao período militar, porque é um corpo que lembra uma existência. Como o corpo de um desaparecido. Um corpo com doença crônica atormenta. Se seu corpo está bem, você não se lembra dele."

</p><p>No caminho, eles se encontram com mulheres, algumas com um quê de bruxas, mas todas sem se encaixar num padrão feminino comum.

</p><p>"Eu não queria mulheres maternais, mulheres que cuidassem de famílias, queria mulheres que estavam interessadas em outras coisas e que por isso não têm filhos. Queria escapar desse clichê. As mulheres no meu livro não estão vinculadas à maternidade".

</p><p>A política e a história da Argentina voltam a se fazer presentes quando se percorrem lugares inóspitos do país, onde há casas de famílias riquíssimas, porém abandonadas há muito tempo.

</p><p>"Sempre tive curiosidade para saber porque pessoas tão abastadas construíram casas enormes em lugares inóspitos, quentes, podendo ir viver em qualquer parte do mundo. E há várias, dos anos 1930 e 1940, algumas são hoje hotéis-boutique. Mas concluí que eram bons pontos de partida para pensar no sentido das heranças familiares. São também heranças de poder e marcam a história de países como os nossos."

</p><p>Segundo Enríquez, as heranças familiares, não só as materiais mas principalmente as espirituais, condiciona muito as pessoas e há distintos níveis de tentativas de desapego e de fracasso nessas buscas.

</p><p>Na trama, o pai, Juan, tenta evitar que seu filho, o menino Gaspar, tenha conexão com sua família, para que não herde coisas que a ele parecem negativas.

</p><p>"O caso é que não se pode, ao apenas esconder as evidências físicas, porque Gaspar herda características que aos poucos vai entendendo o que são, embora Juan não queira que isso aconteça."

</p><p>Ainda que a história tenha essa forte pegada espiritual, esse é um suspense carregado de tensão. "Eu queria que houvesse muita trama, e que ela fosse arrastando o leitor", diz a autora.

</p><p>"Nossa Parte de Noite" já chega premiada com o Herralde de 2019, e está sendo traduzida para o inglês.

</p><p>Enríquez não crê que exista um "novo gótico feminino" na literatura latino-americana, mas sim que há escritoras que, como ela, mostram a influência "de uma infância e de uma adolescência vividas com Spielberg, Stephen King, David Bowie, e que não se importa com o fato de que temas relacionados ao oculto tenham tido um estigma negativo no passado". "Jogamos com eles de uma forma mais natural."

</p><p>Enríquez menciona que, como ela, existem autoras equatorianas, como Mónica Ojeda, bolivianas como Liliana Colanzi e Giovanna Rivero, a mexicana Gabriela Cabezón Cámara e a argentina Samanta Schweblin, que navegam no mesmo universo, mas porque, para ela, é por uma característa de nossos tempos.

</p><p>"O que vejo como positivo no fato de estarmos ganhando prêmios e sendo publicadas é que também o mercado está deixando de pôr um rótulo estigmatizante no tipo de livros que escrevemos." O livro já está à venda para os membros do clube de leitura Intrínsecos, pelo site intrinsecos.com.br, em edição especial. A distribuição a livrarias ocorre em julho.

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</p><p>NOSSA PARTE DE NOITE

</p><p>Preço R$ 59,90/mês + frete de R$ 10 no plano padrão Intrínsecos ou R$ 54,90/mês + frete de R$ 10 no plano anual Intrínsecos (544 págs.)

</p><p>Autor Mariana Enríquez

</p><p>Editora Intrínseca

</p><p>Tradução Elisa Menezes</p>