BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A manobra do governo para expandir o teto de gastos elevou a pressão para que o BC (Banco Central) acelere o ritmo de alta da taxa básica de juros (Selic), hoje a 6,25% ao ano. A autoridade monetária vinha sinalizando que elevaria a taxa em 1 ponto percentual na próxima reunião, para 7,25% ao ano.

Acelerar o ritmo seria subir a Selic acima desse patamar para fazer frente à escalada de preços e das expectativas de inflação nos últimos meses. O ruído em torno de uma possível mudança de regime fiscal deve agravar a situação, ao elevar o prêmio de risco, custo adicionado para cobrir eventuais impactos.

Na próxima quarta-feira (28), o Copom (Comitê de Política Monetária) se reúne para decidir novo patamar da taxa básica de juros.

Nesta quinta-feira (21), o governo e seus aliados no Congresso inseriram na PEC (proposta de emenda à Constituição) que adia o pagamento de precatórios uma mudança na regra de correção do teto de gastos que, na prática, expande o limite das despesas federais.

O conjunto das alterações previstas cria um espaço orçamentário para despesas de R$ 83 bilhões no ano eleitoral de 2022, de acordo com o relator da proposta, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).

Só com a mudança na correção do teto, Motta afirma que seria aberto um espaço de mais de R$ 39 bilhões em relação ao previsto hoje na proposta de Orçamento para 2022.

Ao indicar que não aceleraria o ritmo de alta da taxa básica de juros, o BC argumentou que o nível final da Selic seria mais importante que a magnitude da elevação a cada reunião, que permaneceria em 1 ponto até que se chegasse a um patamar "significativamente contracionista", que desaquece a economia.

Em eventos ao longo das últimas semanas, no entanto, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e diretores afirmaram que esse não era um compromisso e que o Copom poderia mudar a postura se o cenário, especialmente o fiscal, se deteriorasse.

Para economistas consultados pela reportagem, a manobra deixa clara uma mudança de regime fiscal do país, que passa a ser expansionista -quando há intenção do governo de aumentar gastos. Além disso, o mercado tem relacionado medidas como a criação do Auxílio Brasil, programa social mais robusto que substitui o Bolsa Família, às eleições do próximo ano.

O consultor e ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman ressalta que o abandono do teto de gastos não será feito por meio de revogação, mas quando são criadas muitas exceções, o mecanismo perde efeito.

"O problema é não só a manobra, mas tudo o que vem ocorrendo nos últimos meses. Está claro que a motivação final é tentar ganhar a eleição", diz.

Para Schwartsman, o BC deve manter o ritmo na próxima reunião, com 1 ponto percentual, mas vai sinalizar que pode mudar o passo em dezembro. "Não é o que eu faria. Eu já aceleraria o ritmo agora para passar a mensagem de compromisso com a meta [de inflação]", contrapôs.

O economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, destaca que o governo já vem dando sinais de que há mudança de regime fiscal e a estratégia do governo para financiar o novo programa social ampliando o espaço no teto remove a credibilidade do instrumento. "É mais provável o abandono da âncora fiscal e o Banco Central não tem muita alternativa a não ser reagir a isso", afirma.

Até a semana passada, o analista previa que o BC elevaria a Selic em 1 ponto percentual na próxima semana. A projeção foi revisada para 1,25 ponto (a 7,50% ao ano).

Oliveira pontua que o prêmio de risco fiscal já estava elevado. "O processo de deterioração [fiscal] está muito avançado, o prêmio de risco já aumentou. O mercado atua em cima de expectativas. A credibilidade do BC ainda não está arranhada, então de algum modo tem que agir", diz.

O economista-chefe da JF Trust Investimentos, Eduardo Velho, concorda que o BC deve acelerar o ritmo de aperto monetário já nesta reunião.

"Não é só a manobra ou o anúncio de subsídio para caminhoneiros, mas uma série de medidas que mostram a intenção do governo de expandir gastos. O BC deve elevar a Selic em no mínimo 1,25 ponto percentual, a não ser que o cenário mude muito até as vésperas do Copom. Uma guinada, com 2 pontos, por exemplo, seria positiva", ressalta.

"O mercado não trabalha com fato, mas com expectativa. A fala de Guedes [sobre furar o teto] é suficiente para aumentar o prêmio de risco fiscal. Acredito que o BC deve acelerar a alta para 1,25%", projeta o economista e sócio da BRA Investimentos, João Beck.

"O BC tem que cumprir o mandato de domesticar as expectativas de inflação. As altas recentes do câmbio têm que ser endereçadas ou com queima de reservas ou com arrocho de juros", completa.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves espera que o BC suba a taxa básica em 1,5 ponto nas duas próximas reuniões. "O Copom não pode mudar de ideia sobre o risco fiscal e abrir mão de tentar levar a inflação para a meta. A inflação não vai ceder de modo relevante, dada sua natureza", diz.

"Uma alta de 1,5 ponto na Selic no próximo Copom pode colocar o comitê à frente da curva [de juros]. E, com algum tempero no comunicado, reduzir as taxas curtas. As longas, só com o mercado digerindo um extra teto definido, com o aval do ministro da economia", pondera Gonçalves.

Já o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, mantém a projeção de 1 ponto percentual na próxima reunião do Copom. Para ele, embora haja mais disposição do governo para aumentar gastos, as expansões devem ser limitadas.

"Os danos efetivos do fiscal, por enquanto, seguem devidamente limitados por impossibilidade de avanço no Legislativo. Diga-se de passagem que Guedes passa a ser visto como não tão ortodoxo e com menos força e articulação para conter ímpetos expansionistas", afirma.