<p>SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Terezinha Francisco Tavares, 52, trabalhava há 13 anos para uma família em São Paulo quando a pandemia começou, em março do ano passado. Em outra casa, prestava serviços há nove.

</p><p>Em ambas, a facilidade dessas dispensas evidenciam a fragilidade dos vínculos. "Todo esse tempo de trabalho e saí com a diária do dia e mais nada. Todo o mundo tem um motivo. Teve que ajudar outras pessoas da família ou levou alguém para morar em casa, mas quem é mais prejudicado somos nós", diz.

</p><p>Dos trabalhos que mantinha no pré-pandemia, Terezinha ainda vai eventualmente a uma outra residência, onde já completa 18 anos limpando e arrumando. "Mas ela [a empregadora] também ficou desempregada, então não vou sempre. Uma vez por mês eu vou dar uma ajuda. Mas a gente sabe que a corda sempre estoura no lado mais fraco."

</p><p>Terezinha mora há nove anos em Heliópolis, maior favela de São Paulo, na zona sul da capital. Lá, assim como ela, 78% das mulheres que trabalham como diaristas ou mensalistas não têm carteira assinada, segundo pesquisa do observatório De Olho na Quebrada, da Unas (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região), com ActionAid, Open Society Foundation e Instituto Construção entre dezembro de 2020 e março deste ano.

</p><p>Uma vez dispensadas, essas trabalhadoras não recebem férias ou 13º salário, também não acessam o seguro-desemprego ou o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Em pouco mais de um ano de pandemia, 95% dessas mulheres relataram ter visto a renda diminuir.

</p><p>Quase nove em dez disseram ter perdido um posto de trabalho. Segundo o De Olho na Quebrada, 47% trabalhavam em só uma casa; 24% iam a duas, e 14%, a três.

</p><p>Mais da metade (52%) relatou não ter mais nenhuma renda. Na casa de Rosimeire Ferreira da Silva, 49, a ordem é de economia total. Aparelhos eletrônicos ficam fora da tomada quando não estão sendo usados. "Até o tanquinho [para lavar roupas] eu deixo só para coisas mais pesadas e o resto lavo na mão", diz.

</p><p>No início da pandemia, a pessoa para quem Rosimeire trabalhava a cada 15 dias recomendou que ela ficasse em casa até a situação melhorar. Não melhorou, e a antiga empregadora também não a chamou de volta.

</p><p>"A gente leva como pode. Meu marido é ajudante de pedreiro e, para ele, tem aparecido trabalho aqui e ali."

</p><p>Com a renda encolhida, Rosimeire teve que cortar hábitos como fazer a feira semanal e tem buscado ajuda, como a cesta básica doada pela Unas.

</p><p>"Se não é o apoio da comunidade, o povo ia passar fome", diz a diarista Maria Geani Souza Carvalho, 45, que até o início da pandemia trabalhava em três casas.

</p><p>Há cerca de três meses, voltou a fazer faxinas, mas com frequência menor, chegando a só uma vez por mês, e aceita qualquer bico que aparecer.

</p><p>"Eu que mantinha a minha casa. Tinha mês que dava até para fazer uma comprinha extra. Acabou que eu tive que cortar essas comprinhas e ainda fiquei sem pagar o carnê. Agora estou com o nome sujo", conta. Geani diz contar com o apoio do filho, que garante o pagamento do aluguel.

</p><p>Segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, 4,9 milhões de pessoas atuavam no trabalho doméstico remunerado no trimestre encerrado em fevereiro deste ano. Na comparação com o mesmo período em 2020, o corte de empregos no setor chega a 1,3 milhão de pessoas, uma queda de 21%.

</p><p>A pesquisa do De Olho na Quebrada buscou entender também como era a vida das mulheres entrevistadas. Letícia Maria da Silva, 22, liderança do De Olho na Quebrada, foi uma das pesquisadoras.

</p><p>Ela conta que, depois de terem recebido e respondido os formulários, as mulheres eram novamente entrevistadas e contavam, em áudios, como eram suas rotinas antes e depois da pandemia e quais eram suas atividades de lazer.

</p><p>Para Reginaldo José Gonçalves, líder comunitário na Unas, foi surpreendente constatar que as atividades de lazer dessas mulheres estão, com frequência, vinculadas aos cuidados com outras pessoas, como receber filhos e netos e almoços em família.

</p><p>Para a diretora de programas da ActionAid, Ana Paula Brandão, os dados mostram como a pandemia aprofundou desigualdades.

</p><p>Segundo a pesquisa, 97% das trabalhadoras domésticas em Heliópolis são mães e metade delas é solo, ou seja, não compartilha com ninguém a responsabilidade pela criação dos filhos. Mais de 70% delas são negras e 48% têm entre 40 e 59 anos.

</p><p>"Chama a atenção o aumento exponencial de mulheres que passaram a cuidar de outras pessoas. A pandemia coloca a centralidade da responsabilidade sobre a mulher. Quando você junta esse dado com o fato de escolas estarem fechadas, vamos ter cinco a dez anos de situação catastrófica. Uma questão social séria."</p>