SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Era chegar esta época para o engenheiro Luís Felipe Alves começar a procurar os amigos de arquibancada do estádio Jayme Cintra, o campo do Paulista de Jundiaí (58 km de SP). Mesmo em Minas Gerais, onde trabalhava, já estava com pensamento no jogo mais importante do ano, aquele longe de gramado bem aparado, em que bolas iam embrulhadas para presente a casas transitórias e comunidades carentes. Pivet, como era chamado desde a infância, é uma das sete vítimas nunca encontradas da tragédia de janeiro de 2019 na barragem de Brumadinho (MG).

Alves, que na última terça-feira (16) completaria 33 anos, era um dos líderes de uma ação social promovida anualmente pela torcida organizada Raça Tricolor para arrecadação e distribuição de brinquedos e cestas básicas na cidade do interior paulista às vésperas do Natal. À frente do projeto estavam ele e o amigo de infância Mohamad Taha, morto no ano seguinte por causa de problemas cardíacos.

Mas a tragédia e o luto não foram suficientes para deixar a criançada sem brinquedos ou idosos de asilos e moradores de favelas sem os alimentos esperados todo fim de ano. A mãe do engenheiro, a jornalista aposentada Sílvia Helena Ferraz Santos, 63 anos, assumiu o legado social do filho. "Em 2019, a Kombi quase não conseguiu chegar, de tão pesada, a uma casa transitória [onde crianças vítimas de violência doméstica ou com problemas na família normalmente são levadas] que ficava bem longe", disse, sobre a perua emprestada pelo time de futebol.

O rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, que matou 270 pessoas, é assunto reservado na família de Sílvia Helena, que usa suas redes sociais quase diariamente para homenagear o filho, mas evita dar entrevistas sobre assunto. Ela confessa nunca ter ido a Brumadinho e toma cuidado ao falar das esperanças pelo reconhecimento do filho, quando bombeiros de Minas Gerais anunciam o encontro de um novo corpo, mesmo mais de mil dias depois daquele 25 de janeiro. Pelo menos nestes meses de novembro e dezembro, a mãe procura se concentrar na herança que abraçou.

"O Projeto Luís Felipe Alves - ação solidária de Natal nasceu do desejo de ajudar o próximo colocando muito o coração, numa iniciativa bem de formiguinha, de pouco em pouco recolhendo doações em casa, com os amigos ou pessoas conhecidas", afirmou à reportagem, no dia do aniversário do filho. "Isso já faz seis anos, talvez um pouco mais", disse ela, que colocou a arrecadação de panetones como grande meta para este Natal. "Tem criança que nunca comeu", disse a kardecista e devota de Santa Rita de Cássia.

A mãe contou que não fazia parte da ação social até o desaparecimento do filho. E teve de aprender como fazer o voluntariado. Nesta época no ano passado, lembra, estava lavando roupinha e colando cabelo das bonecas usadas doadas em meio a centenas de brinquedos novos.

"Inesperadamente, há quase três anos o meu filho partiu. E no ano seguinte, o amigo de infância. Eu jamais poderia encerrar a missão idealizada e conduzida por eles", afirmou. "Com a família [de Mohamad Taha], o Paulista Futebol Clube e a Raça Tricolor assumimos o projeto de corpo e alma", disse.

A entrega das doações é com uniforme do time campeão da Copa do Brasil em 2005, mas que hoje sofre na última divisão do Campeonato Paulista. "Sabemos que os tempos estão muito difíceis, preocupantes, mas se cada um puder doar um brinquedo, alimentos e um panetone conseguiremos pelo terceiro ano consecutivo realizar o sonho do meu Luís Felipe e do Mohamad, onde quer que estejam."

A tragédia A tragédia causada pelo rompimento da barragem de uma mina da Vale em Brumadinho, ocorrida em 25 de janeiro de 2019, completou mil dias em 21 de outubro. O acidente matou 270 pessoas -ainda há sete desaparecidos, entre elas o engenheiro Luís Felipe Alves

O rompimento é considerado o maior acidente de trabalho no Brasil e uma das maiores tragédias ambientais da história no país.

Na época, Minas Gerais ainda tinha fresco na memória outro rompimento de barragem, em Mariana, em 5 de novembro de 2015. Ao todo, 18 pessoas morreram e ainda há um desaparecido.

Como doar Brinquedos, alimentos e, principalmente, panetones

Até 15/12

Estádio Dr. Jayme Cintra

Praça Dr. Salim Gebran, 1, Jardim Pacaembu, Jundiaí

De segunda a sexta: das 8h às 18

Sábados: das 9h às 13h

Sede da torcida Raça Tricolor

Rua Rubens Pires, 6, Jardim Pacaembu (em frente ao estádio), Jundiaí

Das 18h às 22h

Móveis São Jorge

Avenida Antônio Frederico Ozanan, 4.600, Ponte São João, Jundiaí

De segunda a sexta: das 8h às 18

Sábados: das 9h às 13h

Langella Tênis

Avenida Prefeito Luís Latorre, 4.499, Vila das Hortências, Jundiaí

Às segundas-feiras, das 8h às 12h