BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O prontuário médico da mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang afirma que ela morreu em consequência de uma pneumonia bacteriana e não cita a Covid-19, motivo pelo qual foi internada na unidade hospitalar Sancta Maggiore (em São Paulo), como causa da morte.

O documento, que tem cerca de 2.000 páginas, foi elaborado pela Prevent Senior, operadora que controla o hospital em que Regina Hang morreu.

Além disso, o prontuário, obtido pela reportagem, também relata que a paciente recebeu tratamentos precoces de medicamentos ineficazes contra a doença, como azitromicina, hidroxicloroquina, prednisona e colchicina, antes de morrer.

A informação é dada quando médicos afirmam que Regina apresentou uma evolução grave em seu quadro. “Teve piora ontem, realizada outra TC [tomografia computorizada] de tórax com importante piora de extensão das lesões pulmonares (55% para 90%) e surgimento de lesões sugestivas de infarto pulmonar. Já com anticoagulação plena”, diz. Os documentos também estão em poder da CPI da Covid.

A declaração de óbito da mãe do dono da rede Havan diz que ela morreu no dia 3 de fevereiro deste ano aos 82 anos pelas seguintes causas: “disfunção de múltiplos órgãos, choque distributivo refratário, insuficiência renal, pneumonia bacteriana, síndrome metabólica e acidente vascular cerebral".

Um dossiê assinado por 15 médicos da Prevent Senior e encaminhado à CPI afirma que prontuários médicos da operadora foram fraudados para esconder as causas da morte de diversos pacientes e para ocultar qual tratamento eles receberam. O diretor-executivo da empresa, Pedro Benedito Batista Júnior, presta depoimento à CPI nesta quarta (22).

Em um vídeo divulgado em suas redes sociais, o empresário dono da rede Havan havia afirmado que sua mãe poderia ter sido salva se tivesse feito o tratamento preventivo da doença.

“Eu sempre falo: não podemos mais cuidar de quem morreu, mas podemos cuidar de quem está vivo. Tome a decisão acertada. Eu me cobro hoje que eu poderia ter salvado a minha mãe, de repente, se eu tivesse feito o preventivo, será que nós não poderíamos ter feito isso? E agora eu fico me perguntando, e se eu tivesse feito, será que ela não estaria viva? Reflita. Obrigado”.

Regina foi internada no dia 1° de janeiro deste ano com Covid-19, segundo seu prontuário, “evoluindo com desconforto respiratório”. Ela também chegou a receber ivermectina, já internada no hospital da operadora, outra medicação sem eficiência contra o vírus.

Houve ainda tratamento de ozonioterapia retal, prescrito por médicos particulares e não vinculados à operadora, segundo relatou a própria Prevent Senior em um processo movido contra médicos que denunciaram à empresa ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo).

Um deles foi feito quatro dias após a sua internação, pela médica Maria Emilia Gadelha Serra, que ficou conhecida após aparecer num vídeo publicado no YouTube em que tirou dados de infecções entre vacinados de contexto e citou informações de efeitos adversos pós-vacinação que não tinham confirmação técnica —como que componentes das vacinas causariam demência.

Maria Emilia aplicou ozonioterapia em Regina com ela intubada havia 22 horas, em pronação e sedada. “Realizados procedimentos de Ozonioterapia, sem intercorrências”, “Insuflação retal de ozônio medicinal - 270 mL em 40 mcg/mL”, completa. Ela também recomendou vitamina C à paciente e reavaliação em 24 horas.

Em nota divulgada à imprensa, Hang disse que fez "tudo o que podia" e que, "como qualquer filho", quando sua mãe ficou doente, "foi para a guerra com todas as armas que tinha".

"É esse o meu crime? Minha mãe tinha 82 anos, fazia parte do grupo de risco, ficava em casa e mesmo assim pegou a doença. Ela era cardíaca, tinha diabetes, insuficiência renal, sobrepeso e outras comorbidades. Tomava dezenas de medicamentos diariamente, por isso não fizemos tratamento preventivo, aquele realizado antes de contrair o vírus", disse.

"Quando os sintomas apareceram levamos para São Paulo e a doença evoluiu rápido. Lutamos com ela por mais de um mês, nesse tempo o Covid passou, mas ficaram as complicações por conta das comorbidades e, por isso, infelizmente ela se foi", completou.

O empresário disse também ter "total confiança nos procedimentos adotados pelo Prevent Senior e que tudo que era possível foi feito".

"Deixei claro a causa do falecimento de minha mãe em várias manifestações públicas e nas redes sociais, nunca foi segredo. Lamento que um assunto tão delicado seja usado como artifício político para me atingir, pelo simples fato de eu não concordar com as ideias de alguns membros que fazem parte dessa CPI. Medem os outros pela própria régua. Só quem perde uma mãe sabe a dor que é", disse.

O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou nesta quarta que a comissão tem provas de que o empresário Luciano Hang pediu para que os médicos que trataram sua mãe não divulgassem que ela teria sido medicada com o chamado "kit Covid".

Hang é um dos principais defensores do chamado tratamento precoce, com medicamentos sem eficácia comprovada para tratar a Covid-19.

"Há uma farsa que essa comissão provará que aconteceu. Infelizmente. Porque um filho que utiliza dessa forma a sua mãe, com Covid no hospital com os medicamentos do tratamento precoce. E nós temos comprovação e ele recomendou a médicos 'olha, escondam que a minha mãe foi tratada com cloroquina para não desmerecer a eficácia do plano", disse o relator.

Renan em seguida classificou essa situação como "uma coisa macabra, vergonhosa, reprovável, repugnável sob qualquer aspecto".

O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que Hang levou sua mãe, de Santa Catarina para São Paulo, justamente para que ela fosse tratada com o "kit Covid". "O senhor [Hang] é um homem de posse e colocaria a sua mãe e levaria para a lua para salvá-la."

"Ele teria condições de alugar um foguete para a lua. Ele levou para a Prevent Senior, que não é um dos melhores hospitais de São Paulo", completou.

No caso de Regina Hang, mãe do empresário Luciano Hang, o documento aponta que ela usou o chamado "kit Covid", contrariando declaração de seu filho após a sua morte.

"O prontuário médico da sra. Regina Hang prova que ela usou o kit antes de ser internada e que repetiu o tratamento durante a internação, assim como registram que seu filho, o sr. Luciano Hang, tinha ciência dos fatos", aponta o documento.

"Como outros tantos casos de óbitos na rede Prevent Senior decorrentes da Covid-19 que não foram devidamente informados às autoridades, a declaração de óbito da sra. Regina Hang foi fraudada ao omitir o real motivo do falecimento", completa o arquivo.