SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Pesquisa inédita divulgada nesta quarta (23) identificou que a oferta de ultraprocessados predomina nos estabelecimentos de varejo, à frente de opções consideradas mais saudáveis, como alimentos in natura. Padarias, farmácias e supermercados também tendem a induzir ao consumo dos ultraprocessados, diz o estudo, por meio de técnicas como a oferta de doces e refrigerantes na região dos caixas.

A conclusão é de auditoria realizada em 650 estabelecimentos de comércio de alimentos de Jundiaí, na região metropolitana de São Paulo, por pesquisadoras da USP (Universidade de São Paulo) e UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

O estudo "Caracterização das barreiras e facilitadores para alimentação adequada e saudável no ambiente alimentar do consumidor" foi publicado nesta quarta pela revista científica Cadernos de Saúde Pública e a Agência Bori.

A maioria (43,9%) dos estabelecimentos analisados atuava prioritariamente com a venda de alimentos ultraprocessados, como refrigerantes, balas e bolachas. O grupo é formado por pontos de venda como mercearias, lojas de conveniência, lojas de doces, lojinhas de um real e farmácias, que costumam ofertar os produtos próximos aos caixas.

Entre os estabelecimentos auditados estavam também mercados de bairros (25,2%), padarias (14,5%), açougues, peixarias e frigoríficos (5,9%), sacolões e hortifrútis públicos e privados (5,9%) e supermercados (4,8%).

Cerca de 76% do total dos locais analisados vendiam bebidas açucaradas, como refrigerantes. Balas, chocolates e bolachas recheadas também eram vendidas por 74,8% dos estabelecimentos, além de salgadinhos de milho (59,1%) e sorvete (53,2%). Apenas 30% dos locais ofereciam frutas, hortaliças, raízes e tubérculos, considerados mais saudáveis.

A pesquisa inovou ao criar uma metodologia que permite auditar estabelecimentos comerciais com base na forma como os produtos são expostos. As autoras do estudo partiram de recomendações nacionais e internacionais que classificam os alimentos pelo nível de processamento. Quanto mais natural e menos processado, mais saudável o produto é considerado.

Depois, mapearam os tipos de estabelecimento e, em cada um deles, analisaram fatores como a disponibilidade de produtos, localização dos diferentes tipos de alimento nas prateleiras e gôndolas e as ações promocionais realizadas para a venda de alimentos processados e naturais.

A ideia era avaliar como esses estabelecimentos podem estimular o consumo de alimentos mais ou menos saudáveis, a depender do ambiente que é criado em torno do cliente durante a compra.

"Sabemos que os hábitos alimentares são influenciados por diversos fatores, não apenas o gosto. Fora do Brasil, a relação dos ambientes [em que se compra alimentos] com a obesidade, por exemplo, é mais conhecida", diz a nutricionista Camila Borges, uma das autoras da pesquisa. "Sabíamos que diversos fatores influenciam o consumo, mas não como auditar os estabelecimentos. Com a pesquisa, conseguimos avaliar a presença de barreiras e facilitadores para escolhas mais saudáveis, como tipo de produto posicionado na entrada da loja e a presença de publicidade de ultraprocessados."

O​ levantamento concluiu que padarias são os estabelecimentos que mais oferecem barreiras à alimentação saudável, como preços promocionais para ultraprocessados e presença destes em áreas que podem induzir ao consumo por impulso, como nos caixas.

Os supermercados tiveram avaliação ambígua: embora disponibilizem alimentos frescos e naturais, também tendem a ofertar e induzir ao consumo de alimentos menos saudáveis.

Uma pesquisa britânica divulgada em setembro também mostrou que expor legumes e frutas na entrada de supermercados pode aumentar a compra destes itens em até 10 mil unidades por semana e o consumo dos alimentos em até seis porções extras semanais.

"Quando falamos em barreiras para uma alimentação saudável, não é só a disponibilidade dos alimentos, mas também outras questões que influenciam. Não adianta ter disponibilidade de produtos naturais, mas a publicidade, política de descontos e estrutura física estimular a compra dos ultraprocessados", diz Borges.

Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (especialidade médica voltada para a nutrição), diz que a oferta de alimentos ultraprocessados pode estimular a fome hedônica e cognitiva, conhecida como "fome emocional", que ativa o mecanismo de recompensa do corpo, mas não corresponde a uma necessidade real.

"Por outro lado, há a questão comercial. Todos os supermercados têm o objetivo de mostrar, oferecer, disponibilizar todos os produtos, não somente os alimentos. Faz parte desse marketing para ampliar as ofertas dos produtos, assim como nas lojas de roupas é comum as vitrines nos chamarem a atenção e estimularem o consumo", pondera o médico.

"Porém, quando se trata de alimentos, devemos ser mais vigilantes em relação à qualidade dos produtos, para compor uma dieta saudável e equilibrada, que irá trazer benefícios para nossa saúde e bem-estar, e não apenas nos render aos impulsos motivados pelas ações mercadológicas nos pontos de venda."

A Abras (Associação Brasileira de Supermercados) informou, em nota, que o setor está preparado para atender os consumidores "seja na oferta de novos produtos, no tamanho de embalagens, na diversidade de marcas, nas ações promocionais, e, em todas as seções que abarcam dos alimentos vendidos frescos a aqueles que passaram por transformação industrial, respeitando sempre comportamentos regionais".

Além disso, informou a entidade, "os supermercados somente comercializam alimentos autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa e a nova rotulagem de alimentos é mais uma fonte de consulta que o consumidor terá para ajudá-lo a decidir quais produtos cabem na sua cesta."