SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Fundar uma ONG ou ser voluntário de uma causa são maneiras óbvias de ter uma trajetória no terceiro setor. Mas não as únicas. O leque de opções para quem quer trabalhar com impacto social e ser pago por isso é apresentado pelo jornalista Lucas Bonanno, 40, no livro "Pra Fazer a Diferença" (Ed. Alta Books, 256 págs., R$ 64,90).

Aos 26 anos, Bonanno se mudou para a África. O objetivo era produzir reportagens para a Agência Aids, como consultor da ONU. Na época, 16% dos jovens e adultos viviam com o vírus HIV em Moçambique, um dos países em que ele atuou, enquanto a taxa e ra de menos de 1% no Brasil.

A primeira metade do livro explica como ele se deu conta de que "queria trabalhar para melhorar a vida das pessoas" e traça um plano de ação para quem fez a mesma descoberta.

"Eu me perguntava como as pessoas escolhem suas causas", diz Bonanno. "No meu caso, a morte prematura do meu pai mexeu comigo, acompanhei de perto quando ele teve um AVC aos 39 anos, foi traumático."

No capítulo "Fazer a diferença requer formação e preparação", além de deixar clara a importância do preparo técnico para servir de forma remunerada, o autor sugere características pessoais que facilitam o ofício. Entre elas, empatia, saber trabalhar em equipe, ter iniciativa e comunicar-se de forma efetiva.

No caso de uma atuação fora do país, ele destaca outras. "Respeito à cultura local, ouvir mais e falar menos, ir para somar forças."

Atributos que foram especialmente úteis para quebrar tabus em Moçambique, país com tradições culturais que facilitavam a contaminação por HIV. Umas delas era o "pitakufa", ritual em que viúvas eram obrigadas a manter relações sexuais sem preservativos com cunhados em troca de manter seus bens.

"Acabei participando de uma campanha com apoio do Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância para incentivar o ‘pitakufa’ alternativo", descreve Bonanno.

"A viúva recebe algumas raízes, esfrega nas mãos e entrega a um casal da família do marido, que deverá ter relação sexual na sua frente e depois devolver as plantas para que ela passe no corpo para se purificar."

Escrito durante quatro anos e finalizado na pandemia, o livro lista causas e organizações sociais que contratam profissionais na área, com a indicação de sites de vagas.

Com bastante conteúdo voltado à atuação internacional, há indicações de agências, fundos e escritórios especiais da ONU, ONGs internacionais e brasileiras –AACD, Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Ayrton Senna, Saúde Criança, entre outras.

"Eu queria mostrar que área social não é só associação comunitária, existe toda uma economia em torno do terceiro setor", diz.

Depoimentos de profissionais, inúmeros dados, siglas e questionários completam a primeira parte, que cumpre a função de munir o leitor de estratégias para encarar o setor.

É a partir da segunda metade que o livro ganha um relato mais saboroso e menos didático, pois Bonanno conta histórias vividas por ele nos países africanos. Em uma delas, narra como a camisa da seleção brasileira garantiu uma vaga na van para o escritório da ONU na África do Sul.

"Passei a observar as lotações em Joanesburgo e notei que elas só transportavam pessoas negras. Conversei com alguns funcionários do hotel e eles me explicaram que pessoas brancas não usavam transporte público. Não era algo excludente e imposto, como foi o regime do apartheid, mas consequência natural de um sistema econômico ainda muito desigual."

Em outra passagem, Bonanno conta como foi alugar um apartamento em Maputo e conviver com o proprietário dormindo à sua porta.

"Ofereci que ele entrasse e dormisse. Afinal, a casa, literalmente, era dele. Na noite seguinte, porém, lá estava ele de volta. Voltei a lhe oferecer abrigo, mas a partir da terceira noite, preferi nem ir até a cozinha ver se ele estava nas escadas. Não me senti bem em tomar tal atitude, mas um dos meus primeiros aprendizados na África foi começar a impor limites."

Na última parte do livro, o jornalista narra seu retorno ao Brasil, em 2010, e a reinserção no mercado de trabalho. Em sua avaliação, desde então o setor abriu mais portas a profissionais interessados.

"Ampliou bastante a ideia de negócios de impacto social e o mercado é enorme. Em um levantamento de vagas na ONU, há espaço tanto para técnicos que consertam rádios e satélites quanto para profissionais de saúde", afirma.

Nascido na Casa Verde, na zona norte de São Paulo, Lucas Bonanno aposta no livro como maneira de incentivar mais pessoas a se prepararem para atuar em causas socioambientais ao redor do mundo –especialmente no pós-pandemia.

"Assim como a Aids, que foi a causa que me levou para a África, a Covid-19 agravou a situação de diversos conflitos e tragédias que persistem há anos, como as guerras no Afeganistão e na Síria, a fome no Haiti, a crise dos refugiados em Bangladesh e Myanmar ou mesmo a desigualdade social, o desemprego e a violência no Brasil. Se trabalhar com projetos sociais for realmente seu desejo, desconheço momento mais propício."