Livro de Fareed Zakaria oferece dez lições para o mundo pós-pandemia; veja lista
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sábado, 20 de março de 2021
RAFAEL BALAGO
SÃO PAULO, SP (FOLHARESS) - O mundo deve sair da pandemia de coronavírus mais desigual e com novas formas de globalização, aposta o escritor Fareed Zakaria. Produtos digitais, afinal, circulam entre as fronteiras com muito mais facilidade do que itens físicos e se tornaram muito mais buscados no último ano.
No livro "Dez Lições para o Mundo Pós-Pandemia", o autor faz uma série de reflexões sobre como a crise sanitária deve trazer mudanças e debate questões políticas, econômicas e culturais da atualidade. A obra, escrita em meados de 2020, foi lançada recentemente no Brasil.
Zakaria, 57, nasceu em Mumbai, na Índia. É doutor em ciência política pela Universidade Harvard (EUA), colunista do Washington Post e apresentador da CNN americana. Abaixo, algumas de suas conclusões:
1. APERTEM OS CINTOS
As inovações tecnológicas avançaram muito nas últimas décadas, e as sociedades foram mudando depressa, sem se preocupar com medidas de segurança. Zakaria faz uma comparação: é como se estivéssemos construindo um carro cada vez mais veloz, mas que não possui airbag, cinto de segurança ou seguro, e disputando corridas sem nos preocupar com os riscos. Assim, após desviarmos de vários pequenos perigos, a pandemia gerou um acidente grave. Os danos teriam sido minimizados caso tivéssemos menos desigualdade social e mais medidas de prevenção a epidemias, por exemplo.
2. O QUE IMPORTA NÃO É QUANTO, MAS COMO O GOVERNO INTERVÉM
Os EUA são um exemplo de governo que gastou muito, mas não conseguiu conter a propagação do vírus -é o país com mais casos e mortes acumulados até agora- nem retomar rapidamente a economia. Apesar dos auxílios, muitas pessoas pobres demoraram a receber seus cheques, enquanto pessoas de classe média e alta também foram beneficiadas. Zakaria também avalia que ideologias como esquerda e direita ficaram obsoletas. "Os governos com atitudes mais relaxadas, que não funcionaram bem, foram os do Brasil [direita] e do México [esquerda], governados por populistas ferrenhos."
3. MERCADOS NÃO SÃO SUFICIENTES
A pandemia mostrou a importância do Estado para atuar em uma emergência, de uma maneira que os mercados sozinhos não teriam interesse em fazer. Não se trata apenas de oferecer assistência médica a quem não pode pagar, mas dar apoio a desempregados e financiar pesquisas de vacinas.
4. AS PESSOAS DEVERIAM OUVIR MAIS OS ESPECIALISTAS, E VICE-VERSA
Zakaria aponta que muitos especialistas são vistos apenas como parte da "elite" e do "sistema", o que gera desconfiança entre pessoas com menor escolaridade. Nos últimos anos, políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro passaram a atacar pesquisadores para reforçar sua imagem antissistema. Assim, ser contra a ciência se tornou um fator de identidade política.
Para serem mais ouvidos, a recomendação aos especialistas é que se aproximem mais das pessoas de outros grupos sociais e proponham soluções factíveis à realidade delas. As determinações de lockdown são um exemplo claro da dificuldade de transpor uma recomendação teórica para a realidade.
5. A VIDA É DIGITAL, E O TRABALHO DEVE VOLTAR A SE LIGAR COM A VIDA DOMÉSTICA
A tecnologia necessária para trabalho, educação, consultas médicas e entretenimento a distância já existia há anos, mas faltava um empurrão para serem adotadas em massa. Zakaria avalia que o futuro deverá ter um modelo híbrido entre atividades presenciais e digitais mais intenso do que no pré-pandemia.
Por isso, o trabalho volta a ser mais conectado à vida doméstica, como foi na maior parte da história humana. Era comum que um agricultor morasse perto das terras que cultivava ou que um comerciante morasse em cima de sua loja, por exemplo.
6. SOMOS ANIMAIS SOCIAIS, E AS CIDADES SEGUEM VANTAJOSAS
Apesar de a tecnologia facilitar o isolamento físico, a vida nas cidades segue mais interessante, diz Zakaria, já que temos mais pessoas por perto para trocar experiências em meio à convivência cotidiana, muitas vezes de modo informal. Assim, a pandemia mostrou o quanto alunos e funcionários perdem em conhecimento ao deixarem de interagir pessoalmente. E, mesmo em tempos de comércio fechado, o morador de uma metrópole tem muito mais opções do que o de uma cidade menor.
7. A DESIGUALDADE VAI AUMENTAR
Países ricos têm condições de conseguir dinheiro para a retomada pós-pandemia. Já as nações pobres terão mais dificuldade para se endividar e, assim, ajudar seus cidadãos. Em tempos de crise, investidores preferem lugares considerados mais seguros, como EUA e Europa, em um ciclo que os torna ainda mais seguros, enquanto enfraquece as economias de países da América Latina e da África. Grandes empresas também têm mais facilidade para se financiar do que os pequenos negócios, o que poderá aumentar seu poder e tirar comerciantes menores do mercado.
8. A GLOBALIZAÇÃO NÃO MORREU
Apesar dos fechamentos de fronteiras para viajantes, a troca de produtos entre os países seguiu forte na pandemia. O modelo é muito firme, pois as cadeias de produção são integradas, e os produtos, montados com peças de várias partes do mundo. Além de produtos, serviços digitais também viajam muito mais facilmente entre as fronteiras. Assim, um exame de raio-x feito nos EUA pode ser analisado por médicos na Índia com ajuda de um software em Cingapura, e a globalização vai ganhando novas formas.
9. O MUNDO ESTÁ SE TORNANDO BIPOLAR
Durante a pandemia, a China seguiu com crescimento econômico, enquanto os EUA enfrentam uma crise, com alto desemprego. Esse movimento favorece a ascensão do país asiático rumo ao posto de maior potência mundial. No entanto, este mundo bipolar será diferente do da Guerra Fria, pois as economias dos dois países estão profundamente integradas. Portanto, há um risco bem menor de conflito do que no caso da União Soviética, conclui o autor. Ainda assim, Xi Jinping segue com uma política agressiva para conquistar mais espaço no cenário internacional, como, por exemplo, com a Iniciativa do Cinturão e Rota.
10. UMA GRANDE CRISE ABRE ESPAÇO PARA IDEALISTAS
Após a Segunda Guerra, os países vencedores investiram na cooperação internacional, que incluiu a criação da ONU para estimular o desenvolvimento dos países e manter a paz. É uma visão contrária à de que cada país deve buscar seu sucesso por conta própria, sem se preocupar com os outros, e que ganhou espaço nos últimos anos estimulada por Trump. Zakaria avalia que os EUA não terão como recuperar o posto de líder global incontestável, pois muitas outras nações buscam protagonismo, mas que a pandemia abre caminho para resgatar a ideia de que, se todos cooperarem, todos terão mais ganhos.