BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) - Como já indicavam as pesquisas de intenção de voto, a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, levou seu Partido Nacional Escocês (SNP) a uma nova vitória nas eleições desta quinta (6). Até o começo da tarde deste sábado (8), ainda não se sabia, porém, se o sucesso seria suficiente para garantir sua promessa de realizar um segundo plebiscito sobre independência em relação ao Reino Unido.

Com 52 dos assentos do Parlamento escocês já definidos, o SNP havia assegurado 43, contra apenas 9 para os outros partidos somados. Para obter a maioria, ela precisa chegar a 65 (o Parlamento tem 129 cadeiras), algo que só ocorreu uma única vez na história da Casa.

Uma vitória esmagadora é considerada indispensável para as intenções de Nicola de convocar até 2023 --"se a pandemia permitir"-- um novo plebiscito sobre a independência escocesa, ao qual se opõe o primeiro ministro britânico, Boris Johnson.

A consulta popular só é possível com autorização do governo do Reino Unido, e Boris já avisou que não pretende concedê-la. Há dois meses, chamou a hipótese de "completamente inadequada, irrelevante e desnecessária".

Um resultado incontestável, porém, poderia deixar o primeiro-ministro sob pressão. Foi a inédita maioria conquistada pelo SNP em 2011 que forçou o então primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron (também do Partido Conservador, como Boris), a aceitar em 2012 a realização do primeiro plebiscito, que ocorreu em 2014.

Não está claro para onde sopram os atuais ventos da opinião pública escocesa em relação à separação da Inglaterra. Na primeira consulta, a maioria dos escoceses votou pela permanência no Reino Unido. Mas uma fatia ainda maior deles queria continuar na União Europeia, e o clima mudou após o plebiscito em que o brexit passou raspando, em 2016.

Escoceses pró-Europa se sentiram traídos, e acirrou-se o sentimento nacionalista de parte da população que vê a Inglaterra favorecida pelo governo central, em detrimento das outras três nações do Reino Unido --Escócia, Gales e Irlanda do Norte.

Quando as esperanças de que o brexit fosse revisto foram sepultadas por uma reeleição de Boris, em 2019, os escoceses pró-independência passaram a ser maioria. A situação perdurou até o mês passado. Nas últimas semanas, as pesquisas indicavam empate técnico: 51% contra; 49% a favor.

Parte desse resultado, dizem analistas, se deve ao sucesso de Boris Johnson na vacinação. O premiê britânico argumenta que a pandemia provou a importância de Escócia e Inglaterra permanecerem juntas. Outras hipóteses são o medo de fuga de empresas ou da criação de uma fronteira dura com a Inglaterra.

Há também barreiras práticas importantes que dificultam a separação, como o alto déficit público escocês, a dificuldade de criar uma moeda independente e a oposição dos militares, já que a Escócia abriga importantes bases da Otan (Aliança Militar do Atlântico Norte).

Além disso, a reintrodução na União Europeia --um dos motivos de maior frustração dos escoceses anti-Conservadores-- não é automática nem unilateral. Dependeria de condições negociadas com o bloco europeu e poderia levar vários anos.

São todos problemas de longo prazo, porém. Nos próximos dias, o SNP terá que decidir a melhor estratégia para conseguir arrancar do Reino Unido um novo plebiscito. Desde 2016 ele vinha administrando sozinho o país, em um governo de minoria apoiado pelos Verdes nas principais votações.

Uma opção agora seria formar uma coalizão pró-independência --com os próprios Verdes e/ou com o recém-criado Alba, do ex-primeiro-ministro da Escócia Alex Salmond. De acordo com as pesquisas, eles devem conquistar xx e xx cadeiras respectivamente.

Os custos políticos de cada um dos aliados variam bastante. Uma pesquisa do Instituto YouGov com apoiadores do SNP feita uma semana antes da eleição mostrou que uma coligação com os Verdes deixaria 72% "encantados/satisfeitos", mas 55% afirmaram ficar "desapontados/consternados" se a união fosse com o Alba.

Declarações de Salmond consideradas radicais, como a de que plebiscitos podem ser feitos sem autorização britânica, são uma das possíveis causas de reticência da população nas pesquisas sobre independência. Uma consulta ilegal ou uma disputa mal-sucedida na Suprema Corte seriam um tiro pela culatra para a primeira-ministra escocesa, que precisa respeitar as regras do jogo se quiser ser aceita no futuro como membro da União Europeia.

O ex-premiê também atacou o SNP na campanha, descrevendo o Alba como o único partido sério a respeito da separação e chamando o voto em Nicola de "desperdício".

Os Verdes, por outro lado, avançaram entre os eleitores mais jovens e já afirmaram estar dispostos a conversar sobre uma coalizão formal, se o SNP adotar suas plataformas. Na última gestão, seu apoio influenciou políticas como merenda escolar gratuita e proibição de que pessoas fossem despejadas durante a pandemia.

"Em Londres, os assessores do primeiro-ministro já estão ensaiando suas falas para a guerra de palavras que se seguirá às eleições", afirmou Mujtaba Rahman, diretor-executivo para a Europa da consultoria de análise de risco Eurasia. "Johnson vai ganhar tempo argumentando que a distração de um plebiscito durante a pandemia é imprudente", escreveu em análise no site informativo Politico.

O analista também prevê que o governo britânico tente conquistar os eleitores escoceses com investimentos bilionários em rodovias, ferrovias e outros projetos de infraestrutura. Por outro lado, afirma Rahman, "negar repetidamente o plebiscito faz o jogo de Sturgeon, alimentando o nacionalismo e construindo ainda mais apoio para a independência".

ENTENDA A QUESTÃO DA INDEPENDÊNCIA

Como funciona a eleição para o Parlamento da Escócia?

O voto é facultativo. Eleitores registrados, a partir dos 16 anos de idade, têm dois votos: um para parlamentar constituinte, em que vencem os candidatos mais votados, e outro para um representante regional. Há 73 vagas para constituintes e 56 para os eleitos nas oito regiões, o que soma 129 vagas no Parlamento.

Quais as atribuições do Parlamento escocês?

Os eleitos aprovam leis sobre aspectos da vida na Escócia, como saúde, educação e transporte, e têm alguns poderes sobre benefícios fiscais e sociais.

O que a eleição tem a ver com a independência?

Se mantiverem a maioria no Parlamento escocês, partidos pró-independência devem impulsionar a campanha por um novo plebiscito sobre o assunto. Mais que a simples vitória, importa o tamanho da vantagem obtida, já que a consulta popular só acontece com autorização do governo do Reino Unido, e o premiê Boris Johnson tem dito que ela só acontecerá "uma vez em cada geração".

O que implica não ser independente?

O país continua sujeito ao Parlamento Britânico nas áreas de negócios estrangeiros, comércio exterior, defesa, função pública nacional, política econômica e monetária, seguridade social, emprego, regulamentação de energia, a maioria dos aspectos de tributação e alguns aspectos de transporte. O chefe de governo da Escócia é o primeiro-ministro britânico (atualmente, Boris Johnson) e o chefe de Estado é o monarca britânico (atualmente, Elizabeth 2ª). A Escócia elege 59 membros do Parlamento na Câmara dos Comuns e nomeia membros para a Câmara dos Lordes.

Os escoceses já não disseram não à independência?

Em 2014, 55,3% votaram contra a independência em relação ao Reino Unido e 44,7%, a favor. Uma fatia muito maior de escoceses, porém, opunha-se ao brexit: em 2016, 62% deles eram contrários a uma saída da União Europeia. Com a vitória do brexit no conjunto do Reino Unido, o debate sobre a independência recobrou força. Os defensores de uma nova consulta chegaram a 55% no ano passado. Pesquisas mais recentes mostram um empate técnico, com 47% contra e 45% a favor.

ENCONTROS E DESENCONTROS DE ESCÓCIA E INGLATERRA

século 5 d.C - povos celtas da Irlanda se fixam na costa oeste da Grã-Bretanha, e região passa a ser conhecida como Scotia (terra dos escoceses, em latim). Pesquisas indicam fusão de quatro povos (pictos, escoceses, bretões e anglos)

séculos 2 e 3 a.C - Império Romano constrói barreiras, como a Muralha de Adriano, isolando os escoceses de seus domínios ingleses

século 8 a 12 - invasões vikings

séculos 13 a 16 - começam conflitos anglo-escoceses e a Escócia passa a buscar autossuficiência e alianças com a Europa continental

1502 - O rei escocês James 4º faz "tratado de paz perpétua" com Henrique 7º, da Inglaterra

1572 - Rainha Elizabeth 1ª prende na Inglaterra a rainha católica Maria, da Escócia, garantindo estabilidade para o reformista James 6º

1603 - James 6º se torna James 1º da Inglaterra

1652 - Inglaterra impõe à Escócia união parlamentar plena, rompida poucos anos depois; cresce a assimilação política e cultural da Escócia pela Inglaterra

1707 - Escócia se funde com a Inglaterra para integrar o Reino Unido da Grã-Bretanha

1934 - É criado o Partido Nacional Escocês (SNP)

1949 - Pacto Escocês exigindo governo doméstico na Escócia recebe 2 milhões de assinaturas, mas nacionalismo é abafado

1979 - Fracassa tentativa de criar assembleia escocesa com poderes legislativos e executivos limitados

1999 - É eleito o novo Parlamento escocês --o primeiro desde 1707

2007 - SNP conquista maioria dos assentos (47) no Parlamento escocês

2012 - SNP consegue aprovação britânica para votação sobre independência da Escócia

2014 - Em plebiscito, independência escocesa é rejeitada

2016 - Brexit é aprovado pela maioria dos britânicos, com oposição de 62% dos escoceses

2019 - SNP conquista mais 13 assentos no Parlamento britânico, chegando a 48, 7 deles obtidos dos Conservadores; Sturgeon promete convocar novo plebiscito sobre independência se for reeleita no Parlamento da Escócia

Fonte: Encyclopedia Britannica