Lei de mídia avança na Polônia e pode levar a confronto com EUA, principal aliado
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quarta-feira, 11 de agosto de 2021
PATRICIA PAMPLONA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A câmara baixa do Parlamento da Polônia aprovou nesta quarta-feira (11) uma lei de mídia que opositores dizem ter como objetivo silenciar um canal de propriedade dos EUA, crítico ao governo, ao dificultar a atuação de empresas de fora do Espaço Econômico Europeu.
Após uma noite de protestos com milhares nas ruas de Varsóvia e outras 80 cidades, a legislação foi aprovada, em maioria simples, por 228 votos a favor, 216 contra e 10 abstenções. O texto depende agora da aprovação do Senado (câmara alta) --mas ali a oposição é maioria, e o projeto deve ser barrado.
Nesse caso, a proposta volta para nova avaliação da câmara baixa, onde passa a depender da maioria absoluta (231) dos 460 assentos.
Washington já alertou que a não renovação da licença do canal de notícias TVN24, de propriedade da Discovery Inc, pode comprometer investimentos futuros na Polônia. O canal faz parte da TVN, controlada pelo grupo americano através de uma empresa registrada na Holanda, criada para contornar uma determinação que impede companhias não-europeias de serem proprietárias de mais de 49% das empresas de mídia na Polônia.
A legislação proíbe esse tipo de arranjo e chega pouco antes do prazo para a renovação da licença do TVN24, que expira em 26 de setembro. Sua aprovação, se levada a cabo, armaria então um confronto com um dos principais aliados de Varsóvia.
"A lei como adotada é um ataque a princípios democráticos, de liberdade de expressão e independência da mídia, e discrimina diretamente a TVN e a Discovery", contestou a empresa americana em comunicado. A companhia pediu ainda ao Senado e ao presidente Andrzej Duda, do partido Lei e Justiça (PiS), que se oponham ao texto e impeçam que se torne lei. "O futuro da Polônia como um país democrático na arena internacional e sua credibilidade aos olhos de investidores dependem disso."
A oposição dentro do país condena o texto, que considera um ataque à liberdade de imprensa, enquanto o governo defende que avalia a adoção de regras similares às de outros países na União Europeia. "Temos o direito de regular questões sobre o capital da forma que o Parlamento polonês considerar apropriado", afirmou o porta-voz, Piotr Muller.
Ainda antes da decisão dos parlamentares, o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, disse que os EUA observavam essa lei e um outro projeto sobre o Holocausto "muito de perto".
Esta última proposta também foi aprovada pela câmara baixa do Parlamento e dificulta para os judeus a recuperação de propriedades tomadas por nazistas alemães e, depois da Segunda Guerra Mundial, passadas para o controle de comunistas. Como já havia sido ratificado pelo Senado, o texto vai agora para sanção presidencial.
A votação gerou reação do ministro das Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid. "Condeno a legislação aprovada no Parlamento polonês hoje, que danifica tanto a memória do Holocausto quanto o direito de suas vítimas", afirmou, em comunicado.
A análise das duas propostas ocorreu em meio a uma crise interna na coalizão governista. Nesta terça-feira (10), o premiê Mateusz Morawiecki demitiu seu vice, Jaroslaw Gowin, que lidera o partido Acordo, até então integrante da coligação.
Gowin havia feito críticas à lei de mídia e já se opusera às reformas judiciais, que motivaram um processo da União Europeia contra a Polônia. Para o ex-vice-premiê, não faz sentido entrar em conflito com o bloco por essas mudanças. "Essa demissão é o rompimento de facto da coalizão governista e o fim de facto da Direita Unida", afirmou Gowin nesta terça.

