NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) - Ao menos 750 mil perfis de instituições e políticos, do presidente da República até vereadores, poderão contestar na Justiça as plataformas de internet e pedir restabelecimento célere de contas ou posts que violem regras caso a lei das fake news seja aprovada conforme a proposta atual.

Se prevalecer a última versão do projeto de lei 2.630, apresentada na quarta-feira (24) pelo relator, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), o tratamento especial será estendido para todas as contas que esses políticos mantiverem no Facebook, TikTok, Twitter, YouTube e Instagram e forem usadas para manifestações oficiais do cargo.

Ou seja, se um secretário municipal tiver dez perfis identificados no Instagram, os outros podem ter direito à mesma blindagem --por exemplo, ao violarem regras como a proibição de incitação à violência e ameaças ao sistema eleitoral. Além disso, o texto prevê que a imunidade parlamentar se estenderá ao conteúdo veiculado por legisladores nas plataformas de internet.

Segundo Orlando, a legislação prevê a via rápida judicial, mas também cria obrigações importantes para todas essas contas de interesse público -que ficam impedidas de bloquear outras contas e de fazer monetização de seus perfis e precisam se submeter aos princípios da administração pública.

"Quem ler o texto verá que o objetivo é o contrário. Nós estabelecemos deveres que devem ser cumpridos pelas contas de interesse público. A lei não é para proteger deputado. Ela apenas dá celeridade a decisões judiciais, pois são contas que, em tese, são de interesse público", diz.

O deputado vai encaminhar o relatório para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nesta terça-feira (29). Lira tem dito a interlocutores que quer votar a urgência da tramitação e o projeto na sequência.

O artigo que estabelece a proteção extra para contas de interesse público tem apoio tanto de governistas quanto da oposição.

Ele surgiu de vários projetos de lei de deputados bolsonaristas que foram apensados ao projeto 2.630 e cujo objetivo principal era proteger políticos do "efeito Trump".

O ex-presidente dos EUA Donald Trump foi banido do Twitter, Facebook, Instagram e YouTube na esteira da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, ao ser acusado de usar as redes sociais para incitar a violência ou atacar a integridade cívica.

Defensores da blindagem afirmam que se trata de uma maneira de impedir as plataformas de internet de terem poder excessivo sobre contas de interesse público, que não teriam maneiras de recorrer de decisões arbitrárias.

Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, critica a extensão da imunidade parlamentar para as redes sociais.

"Não se trata de uma mera repetição do que já está na Constituição. Abre margem para uma interpretação do Judiciário de que as plataformas são obrigadas a manter conteúdo de parlamentares, de que esse conteúdo é imune em relação às regras privadas da plataforma", diz. "E nós sabemos que muitas vezes os parlamentares fazem publicações problemáticas nas redes sociais, que causam danos na vida real, incitam a violência."

No entanto, Cruz diz que a via rápida judicial para as contas de interesse público, ao contrário da imunidade parlamentar, é uma medida adequada. "É uma solução inteligente, pois, às vezes, as plataformas abusam de seu poder ao remover uma conta de interesse público que está sendo usada de maneira legítima."

O advogado Diogo Rais, cofundador do Instituto Liberdade Digital, afirma que o intuito de fazer contas de interesse público cumprirem os preceitos da administração pública é louvável, mas o custo será alto.

"O artigo 22 [do projeto de lei] elenca uma quantidade muito grande de pessoas, e algumas que ocupam cargos muito transitoriamente. Como apertar esse botão de liga e desliga e saber quem saiu de um cargo? Só de pensar em secretários municipais de 5.570 municípios no Brasil, muita gente no cargo por período curto... Quem vai ficar monitorando isso?", diz.

"Há também a questão da igualdade eleitoral. Todo mundo que tem cargo público passa a ter uma conta protegida e vai concorrer com pessoas que não têm esse mesmo tipo de proteção digital. Cria uma espécie de superpoder."

Outro ponto polêmico do projeto é o artigo que equipara as plataformas de internet a meios de comunicação.

As empresas e parte da sociedade civil afirmam que isso viola o Marco Civil da Internet e pode tornar inviável a atividade dos gigantes de tecnologia no Brasil.

Por influência do Supremo Tribunal Federal, o texto incorporou um artigo determinando que as plataformas passarão a ser consideradas "meios de comunicação social" para os fins da Lei da Inelegibilidade -que prevê cassação de candidatos a cargos eletivos que recorrerem à "utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social".

O artigo incorporado remete à decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2021 na ação que pedia a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por disparos em massa durante a campanha eleitoral em 2018, rejeitada pela corte.

Nessa decisão, assim como na que resultou na cassação do deputado estadual Fernando Francischini por fazer uma live no Facebook com alegações falsas de fraude na eleição de 2018, o tribunal equiparou as plataformas de internet a meios de comunicação.

Mas as big techs temem que isso vá contra o espírito do Marco Civil da Internet. A legislação que regula o funcionamento da internet no Brasil estabelece, no artigo 19, que as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem providências.

Ao considerar as plataformas de internet como meios de comunicação, como produtores e não apenas disseminadores de conteúdo, a lei das fake news poderia impor às plataformas as mesmas obrigações e responsabilizações que vigoram para os meios de comunicação tradicionais, como TVs e jornais.

Segundo Orlando, o texto do projeto só se aplica a esse contexto eleitoral e não viola o Marco Civil nem responsabiliza plataformas por conteúdo de terceiros.

No início do mês, os gigantes de tecnologia lançaram uma ofensiva de relações públicas contra o projeto de lei e publicaram, em diferentes veículos de comunicação, anúncios afirmando que ela traria consequências negativas às pequenas empresas que usam publicidade online em seus negócios.

O Google, além de divulgar uma carta aberta, chegou a enviar emails a anunciantes afirmando que o projeto de lei iria prejudicar empresas de todos os tamanhos.

A pressão fez efeito. O artigo 7, que poderia ser interpretado de modo a inviabilizar o uso de dados de usuários para vender anúncios direcionados a audiências específicas, teve o texto modificado.