BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), acionou a PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o professor de direito constitucional da USP Conrado Hübner Mendes, colunista do jornal Folha de S.Paulo.

Em ofício ao procurador-geral da República, Augusto Aras, Kassio anexou texto de autoria de Conrado e afirmou que ele fez afirmações "falsas e/ou lesivas" à sua honra, o que, na visão dele, podem configurar os crimes de calúnia, difamação e injúria.

O magistrado solicitou ao chefe do Ministério Público Federal a "apuração e responsabilização criminal do(s) autor(es) do fato".

O documento foi encaminhado à PGR em junho. A Procuradoria deu andamento ao caso e repassou a representação à Polícia Federal.

A reportagem apurou que outras representações foram feitas pelo ministro, mas o gabinete de Kassio detalhou apenas uma delas em nota enviada ao jornal neste sábado (24).

Kassio anexou no ofício à PGR o artigo "O STF come o pão que o STF amassou", publicado em abril e no qual colunista abordou a decisão do ministro que liberava a realização de cultos, missas e demais celebrações religiosas no país, em meio a medidas restritivas para a Covid-19.

A decisão acabou, na prática, sendo derrubada pelo plenário do STF posteriormente, por 9 votos a 2.

O texto do colunista da Folha de S.Paulo afirmou que, tomada na noite de 3 de abril, um sábado, a decisão "não foi improviso".

"O episódio não se resume a juiz mal-intencionado e chicaneiro que, num gesto calculado para consumar efeitos irreversíveis, driblou o plenário e encomendou milhares de mortes."

O texto segue relatando que "[Kassio] optou por resolver, sozinho, na véspera da missa, com base na cínica alegação de 'urgência' e 'perigo da demora', caso dormente em sua mesa havia cinco meses".

Na nota à reportagem, o gabinete do ministro do Supremo, o primeiro indicado ao STF por Jair Bolsonaro, afirmou que "o professor usou adjetivos considerados inadmissíveis pelo magistrado e fez afirmações falsas, extrapolando a crítica construtiva e que podem configurar os crimes de calúnia, difamação e injúria".

Disse ainda que o ministro "considera que os direitos à liberdade de expressão e de imprensa livre são fundamentais para a manutenção do regime democrático, mas, como já decidiu o próprio Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões, o abuso desses direitos também deve gerar responsabilização".

Procurado pela reportagem, Conrado ressaltou que autoridades públicas têm que estar sujeitas a críticas.

"Numa democracia, pelo menos. Liberdade de expressão tem limites, claro. Também na democracia. Mas não quaisquer limites", afirmou.

"A vaidade e a sensibilidade pessoal não estão entre esses limites. Não há tribunal constitucional ou corte internacional respeitável no mundo que considere palavras contundentes dirigidas a uma autoridade pública como crime."

No dia 5 de abril, também em decisão sobre o tema, o ministro do STF Gilmar Mendes manteve o veto a cultos religiosos presenciais no estado de São Paulo. Por 9 votos a 2, o plenário do STF manteve no dia 8 a decisão de Gilmar de permitir que estados e municípios proíbam a realização de celebrações religiosas presenciais como forma de conter o avanço da pandemia da Covid-19. Com isso, o colegiado acabou por derrubar a decisão de Kassio.

O professor da USP foi alvo também de uma queixa-crime apresentada à Justiça Federal em Brasília por Aras --que é a quem o pedido de Kassio é endereçado--, além de uma representação no Conselho de Ética da instituição de ensino.

O procurador-geral pediu a condenação do professor porque teria cometido crimes de calúnia, injúria e difamação.

Na petição, Aras citou publicações de Conrado nas redes sociais e na coluna dele publicada na Folha de S.Paulo intitulada "Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional".

"Aras não economiza no engavetamento de investigações criminais: contra Damares por agressão a governadores; contra Heleno por ameaça ao STF; contra Zambelli por tráfico de influência; contra Eduardo Bolsonaro por subversão da ordem política ao sugerir golpe", diz o texto assinado pelo colunista.

Nas postagens publicadas nas redes, o professor chama Aras de "Poste Geral da República" e "servo do presidente". Além disso, afirma que ele é o "grande fiador" da crise vivida no Brasil devido à pandemia da Covid-19.

O caso tramita na 12ª Vara Federal Criminal de Brasília.