BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - Em uma decisão com broncas e citando a ditadura e o holocausto, a Justiça Federal em Minas Gerais mandou abrir investigação contra o comando do Colégio Militar de Belo Horizonte, administrado pelo Exército, por descumprimento de medida judicial relativa à pandemia da Covid-19.

O Sindsep (Sindicato dos Trabalhadores Ativos, Aposentados e Pensionistas do Serviço Público Federal em Minas Gerais) obteve em setembro de 2020, em liminar, o direito de os professores civis do Colégio Militar lecionarem somente remotamente durante a pandemia. A decisão não envolveu docentes militares.

Mas a direção do colégio estava obrigando os professores civis a irem à instituição para desempenhar outras tarefas, como abrir portas das salas e trocar jalecos, conforme o escritório Aroeira Braga, Gusman Pereira, Carreira Alvim e Advogados Associados, que representa o sindicato.

Ao determinar a investigação, o juiz William Ken Aoki, da 3ª Vara Federal de Belo Horizonte, afirmou que as Forças Armadas não têm autoridade para desobedecer o Poder Judiciário.

O magistrado disse ainda, para justificar a apuração, haver necessidade de que “tais arroubos autoritários e antipatrióticos não sejam incentivados ou permitidos em um regime democrático e constitucional”.

“É inadmissível o descumprimento de decisão judicial proferida pelo Poder Judiciário. Ao contrário do que pode eventual e inconstitucionalmente pensar de forma autoritária o Comando do CMBH, às Forças Armadas não foi dado nenhum tipo de poder moderador pela Constituição de 1988, muito menos nenhuma autoridade que autorize descumprir o Poder Judiciário, democrática e legitimamente constituído da República Federativa Brasileira”, diz trecho da decisão do magistrado.

O juiz afirma ainda que não foi esclarecido se o comando do colégio agiu de forma autônoma “ou se eventualmente apenas seguiu ordens de autoridade hierarquicamente superior, e de qual nível superior partiu tal comando”.

Na decisão, ele cita o regime militar, que vigorou entre 1964 e 1985 no país. “A ditadura militar brasileira e a condenação do Brasil no ‘caso Guerrilha do Araguaia’, proferido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, nos fazem lembrar que nunca mais desejamos um regime autoritário em terras Brasileiras, pela corrupção, pelas atrocidades cometidas, pelas violações inomináveis aos direitos humanos e pelas inúmeras vidas inocentes de patriotas que foram ceifadas pelo regime de exceção.”

A decisão fez menção ainda ao holocausto, ao afirmar que, assim como ocorreu no genocídio judeu na Segunda Guerra, “os militares brasileiros ‘apenas seguiram ordens’, para que de forma reiterada no presente processo, em diversas oportunidades, pedissem o retorno às aulas presenciais”.

Segundo o escritório, a instituição de ensino estava fazendo pressão sobre os professores.

A direção da escola, via União, que representa o colégio na ação, foi intimada pela Justiça a se posicionar no processo sobre as alegações do sindicato. Conforme o juiz, a escola afirmou apenas que estava cumprindo a decisão que mandava os professores civis darem aulas remotas.

Além de determinar a investigação do comando da escola, o juiz decidiu que os professores civis do colégio só poderão voltar a trabalhar 28 dias após receberem a segunda dose da vacina contra a Covid-19. Cabe recurso.

A decisão acontece no momento em que a Prefeitura de Belo Horizonte começa a adotar medidas para retorno das aulas em toda a rede pública da cidade. Instituições privadas também já estão autorizadas a retomar as aulas de forma gradual.

O magistrado determina que cópia do processo seja enviada ao Comando da 4ª Região Militar, que tem sede na capital mineira, para que seja instaurado procedimento administrativo disciplinar para apurar a conduta do comando do colégio.

No Brasil há 14 colégios militares como o de Belo Horizonte, em cidades como Brasília, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Rio e São Paulo. Todos funcionam com ensinos fundamental e médio.

Procurada pela Folha, a seção de comunicação social do centro de preparação de oficiais da reserva e Colégio Militar de Belo Horizonte respondeu apenas que “por tratar-se de um assunto de ordem jurídica e que está em processamento, este Comando encontra-se impossibilitado de responder, neste momento, aos questionamentos”.

Já o Exército, por meio de nota do departamento de educação e cultura, disse que todas as atividades dos colégios militares “seguem de acordo com as decisões determinadas pela Justiça, não cabendo à instituição avaliar e sim cumprir”.

Informou ainda que os colégios estão retornando às atividades presenciais seguindo as medidas sanitárias orientadas pelo Ministério da Saúde e autoridades locais.