SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Justiça britânica aceitou nesta sexta-feira (10) um recurso do governo dos Estados Unidos para que o australiano Julian Assange, 50, fundador do WikiLeaks, seja extraditado para enfrentar acusações criminais, incluindo violação de uma lei de espionagem e conspiração contra o governo americano.

Em janeiro, um tribunal de primeira instância havia negado o pedido, alegando que Assange corria o risco de se suicidar caso fosse extraditado. A defesa do governo americano, por sua vez, argumentou que a decisão não deu importância a outros relatórios apresentados sobre a saúde mental do australiano.

O juiz Timothy Holroyde, que acatou o recurso, disse estar satisfeito com as garantias apresentadas por Washington, como, por exemplo, a promessa de não manter Assange em uma prisão de segurança máxima no Colorado e a transferência dele para a Austrália para que cumpra a pena caso seja condenado.

Já a defesa de Assange, coordenada pelo ex-juiz espanhol Baltasar Garzón, alega que o que chamou de enxutas garantias não mudam o fato de o fundador do WikiLeaks correr o risco de se suicidar.

Ainda que abra caminho para a extradição, o aceno positivo dado pela Justiça britânica nesta sexta não é o último passo. O juiz Holroyde detalhou que o caso agora deve ser enviado para o Tribunal de Magistrados de Westminster e para o governo do Reino Unido.

Além disso, a defesa de Assange deve recorrer. Em comunicado, a noiva do australiano, Stella Moris, disse que sua equipe jurídica apelaria "o mais rapidamente possível" da decisão judicial. "Como pode ser justo extraditar Julian para o próprio país que conspirou para matá-lo?", questionou Moris em frente ao tribunal.

Assange é alvo de 17 acusações ligadas à divulgação de registros militares e diplomáticos confidenciais dos EUA que colocaram o país em situações delicadas em 2010. Somada, a pena máxima seria de 175 anos de prisão. Segundo autoridades americanas, os vazamentos colocaram vidas em perigo.

Entre as publicações, havia um vídeo de helicópteros americanos atirando contra civis no Iraque, em 2007, ataque que matou ao menos dez pessoas em Bagdá, incluindo dois jornalistas da agência Reuters.

Autoridades dos EUA dizem que mais de cem pessoas foram colocadas em risco após as divulgações do WikiLeaks e cerca de 50 precisaram receber assistência, com algumas fugindo de seus países de origem com familiares para se mudar para os EUA ou outro país em que pudesse ficar em segurança.

Ao todo, Assange passou mais de nove anos privado de liberdade. Primeiro, refugiou-se em 2012 na embaixada do Equador em Londres para não ser extraditado à Suécia em razão de acusações de agressão sexual —arquivadas posteriormente por falta de provas.

Depois, quando o ex-presidente equatoriano Lenín Moreno retirou a proteção, o australiano foi levado para uma penitenciária de segurança máxima nas proximidades de Londres.

A prisão de Julian Assange

Apoiadores de Assange o consideram um herói anti-establishment e reiteram o discurso de que atacar o trabalho dele é atacar o jornalismo e a liberdade de expressão com motivações políticas.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ, na sigla em inglês) disse que a "perseguição obstinada" do Departamento de Justiça americano abre um precedente prejudicial para processar repórteres simplesmente por fazerem seu trabalho.

"O governo Biden se comprometeu, na Cúpula pela Democracia", em apoiar o jornalismo; pois pode começar removendo a ameaça de processo que agora paira sobre as cabeças de jornalistas investigativos em todos os lugares", disse Robert Mahoney, vice-diretor-executivo do CPJ.

O comitê publicou relatório nesta quinta (9) em que revela número recorde de jornalistas presos ao redor do mundo como forma de intimação: são 293. Assange, com é considerado um publisher do WikiLeaks pelo ​CPJ, não entra na conta.

Diretora da ONG Repórteres Sem Fronteiras no Reino Unido, Rebecca Vincent afirmou em redes sociais que trata-se de um "desdobramento completamente vergonhoso". "Há implicações alarmantes não apenas para a saúde mental de Assange, mas também ao jornalismo e à liberdade de imprensa no mundo todo".

O editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, alegou que a decisão coloca mais uma vez a vida de Assange em grave ameaça, bem como o direito dos jornalistas de publicar conteúdos que governos e grandes corporações consideram inconvenientes. "Trata-se do direito de uma imprensa livre publicar sem ser ameaçada por uma superpotência intimidadora."

Já Nils Muiznieks, diretor da Anistia Internacional para a Europa, disse ao jornal britânico The Guardian que acatar o pedido de extradição significa aceitar garantias diplomáticas falhas dadas pelos americanos. "Se extraditado para os EUA, Assange corre risco real de graves violações de direitos humanos devido às condições de detenção que poderiam equivaler a tortura e maus-tratos", acrescentou.

Quem também se pronunciou contra a extradição de Assange foi a Rússia. Em uma conta no aplicativo de mensagens Telegram, o porta-voz da diplomacia do país descreveu a decisão como vergonhosa e disse que ela representa "um novo reflexo da visão de mundo canibal da aliança anglo-saxã".

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A SAGA JURÍDICA DE JULIAN ASSANGE

Julho/2010: veículos da imprensa de diversos países começam a publicar documentos americanos confidenciais vazados pelo WikiLeaks.

Novembro/2010: Suécia emite mandado de prisão contra Assange por agressões sexuais contra duas mulheres; o australiano alega que as relações foram consentidas.

Dezembro/2010: Assange se entrega à polícia em Londres, passa nove dias detido e segue para prisão domiciliar.

Fevereiro/2011: A pedido da Suécia, um tribunal de Londres autoriza a extradição de Assange, que teme ser entregue aos EUA e recorre da decisão.

Junho/2012: Esgotados os recursos, Assange se refugia na embaixada do Equador em Londres e pede asilo político.

Agosto/2012: Rafael Correa, então presidente do Equador, concede asilo político e Assange vive por sete anos na embaixada.

Abril/2019: Sucessor de Correa na Presidência, Lenín Moreno, afirma que Assange violou as condições do asilo e o australiano é detido pela polícia britânica, autorizada a entrar na embaixada.

Maio/2019: Assange é condenado a 50 semanas de prisão por violar as condições de sua liberdade provisória quando se refugiu na embaixada equatoriana;dias depois, os EUA, que já consideravam o australiano um hacker, formalizam mais 17 acusações contra ele e sua pena pode chegar a 175 anos de prisão.

Novembro/2019: Suécia encerra investigação sobre supostos estupros por falta de provas.

Fevereiro/2020: Justiça britânica começa a examinar o pedido de extradição de Assange apresentado pelos EUA, mas o processo é interrompido e adiado devido à pandemia de coronavírus.

Setembro/2020: As audiências são retomadas e a juíza Vanessa Baraitser concede mais tempo à defesa de Assange, acrescentando que será necessário aguardar o fim das eleições presidenciais nos EUA para anunciar sua decisão.

Janeiro/2021: Baraitser rejeita o pedido americano de extradição alegando risco de suicídio de Assange. EUA anunciam que vão recorrer da decisão. Defesa do australiano diz que vai protocolar pedido de fiança.

Dezembro/2021: Tribunal de apelação britânico aceita recurso dos EUA e abre as portas para a extradição do australiano; defesa promete recorrer.

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