SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O risco de rápida deterioração no controle de gastos do governo tem gerado forte impacto nas projeções do mercado para os juros brasileiros.

Nesta quinta-feira (21), as taxas dos juros futuros com vencimento para janeiro de 2023 fecharam o pregão nas máximas do dia, em 10,57% ao ano, ante 9,9% na véspera, segundo dados da Bloomberg.

Movimento semelhante foi registrado entre os vértices mais longos da curva. Os contratos dos juros futuros para janeiro de 2025 avançaram de 10,9% para 11,5%, enquanto os vértices para 2029 foram de 11,50% para 11,95%.

O repique reflete a percepção de piora no cenário fiscal após o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, falar em licença para gastar fora do teto de gastos, regra que limita as despesas públicas.

O mercado de juros, contudo, já vinha em uma forte abertura das taxas ao longo dos últimos meses. Mais do que dobrou o nível de prêmio quando se compara aos patamares próximos de 4% ao ano observados no fim de 2020. Em meados de julho, já estavam ao redor de 7%.

O movimento foi influenciado pelo aumento da taxa Selic em curso pelo BC (Banco Central), mas também pela piora nas perspectivas para o quadro fiscal e político do país no período, com o aumento das dúvidas sobre a postura do governo na economia e quanto ao desenrolar da disputa eleitoral.

Hoje, os prêmios se encontram nos níveis mais altos desde setembro de 2018, quando o então candidato Jair Bolsonaro sofreu o atentado à faca durante campanha eleitoral em Juiz de Fora (MG).

A tendência, avaliam especialistas, é que as incertezas sobre a evolução do cenário doméstico nos próximos meses, somadas a uma inflação mais alta do que se previa, levem os investidores a cobrar um prêmio cada vez maior para aceitar emprestar recursos para o governo ao comprar os títulos da dívida pública federal do Brasil.

E com o aumento nas taxas que servem como referência para o mercado, há uma reação em cadeia nas operações de empréstimos para pessoas físicas e empresas --dados do BC mostram que, em agosto, a taxa média de juros das novas contratações de crédito no sistema financeiro nacional atingiu 21,1% ao ano, alta de 2,5 pontos percentuais em 12 meses.

Os juros mais altos, por sua vez, provocam uma consequente perda de tração no ritmo esperado de retomada da economia. No relatório Focus, a estimativa para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) está em 1,5% na última atualização, contra 1,63% quatro semanas atrás e 2,05% em agosto.

A maior preocupação, diz Luciano Rostagno, estrategista-chefe para América Latina do Banco Mizuho, é que a política adotada pelo governo nos próximos meses leve o país para um cenário de crescimento baixo e inflação alta, fenômeno conhecido pelo mercado como estagflação.

"Temos visto tentativas do governo de burlar o teto, gerando preocupações de uma nova rodada de deterioração das contas públicas e o aumento nos prêmios dos juros, à medida que o mercado começa a ver uma ampliação de gastos que forçaria o BC a adotar uma política mais restritiva", afirma Rostagno.

O aumento mais acentuado dos prêmios nos juros nos últimos dias veio na esteira de declarações do presidente e do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o Auxílio Brasil, o novo Bolsa Família, e o teto de gastos.

"Há um temor crescente do mercado com a volta de um mix de política econômica que foi muito ruim para a economia brasileira, que levou à forte recessão no segundo mandato da ex-presidente Dilma. É um cenário que gera preocupação, que acontece por conta dos objetivos políticos tanto do governo quanto do Congresso", diz o estrategista-chefe do Mizuho.

Carlos Pedroso, economista-chefe do MUFG (Mitsubishi UFJ Financial Group), diz que o valor de R$ 30 bilhões sinalizado pelo ministro da Economia para ser usado fora do teto no pagamento do auxílio não chega a ser um número que gere por si só uma grande preocupação.

A questão, emenda Pedroso, é o que esse gesto do governo pode representar para a política econômica que será adotada daqui para frente, especialmente na medida em que for se aproximando a disputa pela presidência da República.

"O risco é de que o governo possa tentar outras exceções, que não fique somente nos R$ 30 bilhões, e que aí sim poderia gerar algum tipo de impacto fiscal mais relevante", diz o economista-chefe do MUFG.

Paulo Nepomuceno, operador de renda fixa da Terra Investimentos, avalia que o mercado de juros futuros se encontra neste momento no meio de uma espécie de "tempestade perfeita" -com aumento dos prêmios nos vértices curtos da curva, pela inflação corrente completamente fora da meta do BC; mas também nos contratos longos, em função da série de indefinições no campo político.

"Os bancos centrais do mundo inteiro estão atrás da curva, mas a questão é que o brasileiro ficou atrás demais, porque foi um dos que mais baixou os juros, e um dos que mais demorou a subir", diz Nepomuceno.

A autoridade monetária tem um mandato claro que é controlar a inflação, e precisa ser proativa para evitar que as previsões para 2022 também desancorem como ocorreu neste ano, afirma o operador da Terra Investimentos. "O mercado está cobrando isso do BC com essa alta nos juros futuros", diz o especialista. No relatório Focus, as projeções do mercado, que têm sido revistas para cima desde o início de 2021, apontam para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em 8,69% neste ano, e em 4,18% no final do ano que vem.

Pedroso, do MUFG, lembra que em declarações nesta semana o diretor do BC, Fabio Kanczuk, afirmou que a velocidade de reação da autoridade monetária não é a mesma do mercado.

No entanto, se lá na frente o quadro fiscal se deteriorar acima das expectativas por conta das despesas com programas sociais, com uma pressão inflacionária persistente, o economista-chefe do MUFG acredita que o BC irá agir, seja aumentando o ritmo de aperto, ou levando a taxa Selic para um nível mais alto do que o previsto atualmente pelo mercado.

"Não esperaria o BC subir os juros além dos 100 bases-points na semana que vem. Mas a partir do momento que tem uma precificação no mercado futuro já beirando os 150 bps, não podemos descartar a possibilidade de vir 125 bps", diz Pedroso, acrescentando que a falta de sintonia do mercado com o BC pode gerar um aumento ainda maior na volatilidade do mercado.

"O investidor corre o risco de ter perdas grandes nesse ambiente de mais volatilidade e risco", afirma o economista-chefe do MUFG.

Ross, do Haitong, diz que os patamares praticados, no entanto, ainda estão distantes dos picos históricos, que chegaram a beirar a marca de 16% ao ano, alcançados durante o segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, em meados de 2015.

Segundo o economista do Haitong, o fato de a taxa Selic estar bem mais alta naquele momento --fechou o ano de 2015 em 14,25%-, em meio a um processo de comprometimento do cenário fiscal, contribui para que os níveis dos juros futuros estivessem bem acima dos atuais, com a taxa básica em 6,25%. "A Selic funciona como um ponto de partida", afirma Ross.

Rostagno, do Mizuho, afirma que a dinâmica da inflação é hoje bastante diferente da observada durante o segundo mandato da ex-presidente, com a necessidade de respostas de política monetária também distintas. "Não vejo os juros se aproximando do que vimos naquela época, pelo menos no curto prazo", afirma o estrategista-chefe do Mizuho.

Ele diz que, enquanto a inflação atual, embora em níveis elevados, indique uma pressão de caráter mais temporário, causada por um desarranjo na cadeia global de suprimentos, nos últimos anos de Dilma Rousseff no Planalto, esse problema foi puramente resultado de uma política econômica doméstica que se mostrou equivocada.

"No governo Dilma, o país tinha uma política fiscal bastante expansionista, que forçava o BC a adotar uma política monetária bastante contracionista, com muitos desequilíbrios na economia. Não vejo um cenário tão ruim, mas há um risco relevante, que justifica o mercado embutir um prêmio mais elevado nos preços dos ativos", diz Rostagno.