GUARULHOS, SP (FOLAPRESS) - O brasileiro Ricardo Soares, os portugueses Beatriz Varela e Diego Garcia e o moçambicano Bruno Mourinho vêm, há cerca de um ano, encontrando-se periodicamente por uma tela de computador.

Juntos, discutem o cotidiano de seus países, a cultura e a política lusófona e tentam compreender o que têm em comum além de, claro, a língua. Ao lado de outros 13 jovens, formam a Juventude Unida dos Países de Língua Portuguesa (JUPLP), coletivo criado já durante a pandemia de coronavírus.

A iniciativa partiu de Ricardo, 23, morador de Belo Horizonte. Estudante de jornalismo, ele já atuava em coletivos de cultura voltados para a memória afrodescendente e o hip-hop.

Quando escutava a rapper portuguesa Nenny, descendente de cabo-verdianos, a ideia de um coletivo que fomentasse debates sobre a lusofonia e unisse jovens desses países começou a germinar. Foi então que partiu à procura de possíveis membros por meio das redes sociais, e a iniciativa saiu do papel.

"Muito do conteúdo que temos nos Palop [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] é anglófono ou americano", diz Bruno, 25, que vive na capital moçambicana, Maputo. "Há um déficit de informação sobre a lusofonia, e percebemos a necessidade de nos educarmos e explorarmos os aspectos em comum."

Formado em relações internacionais e um dos primeiros a se juntar à JUPLP, ele vê no coletivo uma oportunidade de diplomacia cultural, ainda que informal, e um freio a preconceitos. "Para muitos de nós, as favelas brasileiras são só crime e drogas, quando, na verdade, é delas que vêm o samba e as Anittas."

Entre os membros do coletivo, há ainda a vontade de entender melhor a própria história. Beatriz, 22, nasceu e vive em Lisboa, onde se formou recentemente em negócios internacionais. O pai nasceu no arquipélago de Cabo Verde, de onde emigrou na década de 1990, e a mãe é filha de cabo-verdianos.

Ela soube da JUPLP por meio do Instagram, plataforma na qual o coletivo compartilha informações sobre os lusófonos. As últimas publicações versam, de forma didática, sobre as eleições presidenciais em Cabo Verde. "Quero falar de política de maneira leve, nunca deixando de lado a informação fidedigna."

A ideia central do coletivo é de que a língua é apenas o ponto de partida e uma janela de oportunidade para descobrir uma ampla cesta de características em comum, afirma Diego, 29, que vive no distrito português de Viseu e trabalha como assessor parlamentar do partido Bloco de Esquerda.

Projetos que têm à frente a juventude lusófona dialogam com uma característica marcante dos países de língua portuguesa: a predominância de jovens na população. Os Palop –com exceção de Cabo Verde– e o Timor Leste têm, em média, 60% de suas populações com idades até 24 anos. Em São Tomé e Príncipe, por exemplo, 21,6% da população têm entre 15 e 24 anos, e, em Angola, 18,6%.

Ao todo, a lusofonia contabiliza cerca de 48 milhões de pessoas entre 15 e 24 anos, o que representa 16,4% da população dos países de língua portuguesa. Portugal e Brasil são os membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) com populações mais velhas. No primeiro, a idade média é de 44,6 anos; no segundo, 33,2. A média mais jovem é a de Angola, com 15,9 anos.

A CPLP conta, há mais de 20 anos, com estruturas para pensar políticas e estimular a participação de jovens. Diretor de Cooperação da comunidade, Manuel Lapão afirma que o assunto é prioritário nas intervenções da organização, que reúne nove países nos quais o português é uma das línguas oficiais.

Em 1997, por exemplo, foi criado o Fórum da Juventude, órgão consultivo que reúne os conselhos de juventude dos países-membros. Há, ainda, o Conselho de Ministros de Juventude e Esportes.

Os membros da JUPLP dizem reconhecer a importância da interlocução da CPLP e desejam contribuir com a comunidade, mas, por outro lado, querem buscar um espaço menos burocrático de discussão. "A juventude não gosta apenas de debate político, o lazer também faz parte", diz o brasileiro Ricardo.

Lapão afirma ter consciência da burocracia, comum a órgãos atrelados a governos, mas acrescenta que a atuação de jovens é crucial para a comunidade, que em 2019 criou o "Ano da CPLP para a Juventude".

O brasileiro Marcus Barão, 31, presidente do Conselho Nacional de Juventude do Brasil (Conjuve), entrou no mundo da lusofonia a partir de 2015. Ele presidiu, de 2017 a 2020, o Fórum de Juventude da CPLP, do qual agora é vice. "A juventude tem muito a se beneficiar, porque participar de uma comunidade que está em quatro continentes é uma porta para o mundo."

Entre uma lista de projetos encabeçados pelo fórum, destaca o programa Juventude Empreendedora, que capacita jovens em vulnerabilidade e moradores de comunidades nas periferias dos países de língua portuguesa. Segundo Barão, em 2020, com atividades virtuais em razão da pandemia, o projeto alcançou mais de 10 mil jovens brasileiros em mil cidades. Em 2021, a cifra ultrapassa 38 mil.