SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A alta da inflação e a retomada da economia darão uma contribuição significativa para reduzir o endividamento global dos governos no período 2021-2023, depois da explosão de gastos que levou a dívida pública a patamares recorde em 2020.

O impacto do crescimento econômico na redução das dívidas foi maior no ano passado e irá perder força a partir deste ano. Já o fenômeno inflacionário deverá atingir seu ápice em 2022, segundo cálculos da agência de classificação de risco Fitch Ratings.

No Brasil, os dois fatores ajudaram a reduzir a dívida bruta em 2021, mas esse efeito não vai se repetir em 2022, como mostram as projeções de diversos analistas.

Relatório da Fitch mostra que a dívida bruta global cresceu de 78,8% em 2019 para 93,4% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020, devido ao aumento de gastos relacionados à pandemia. Em 2021, recuou para 93,1%, segundo a agência, deixando para trás aquilo que seus analistas avaliam ter sido um pico que não voltará a ser atingido nos próximos anos.

A análise considera 120 países cujas dívidas são classificadas pela agência, que projeta uma relação dívida/PIB de 90,4% em 2022 e 2023.

O impacto positivo da inflação na dívida será de 2 pontos percentuais do PIB em 2022, o mesmo verificado em 2008, ambos classificados como "o efeito inflacionário mais significativo em mais de 20 anos" --a série de dados começa em 2000. Em 2023, será de 1,5 ponto.

A inflação em alta reduz o valor da dívida --ou evita um aumento maior--, pois eleva as receitas do governo, que crescem com os preços dos produtos tributados. Já as despesas, como salários e outros benefícios, ficam inalteradas ao longo do ano e seus valores reais são corroídos pela inflação.

A redução desse indicador também depende de outra variável: a taxa de juros que corrige o endividamento. Nas economias desenvolvidas, com juros próximos de zero e taxas reais negativas, a dívida bruta caiu de 117,9% para 114,9% do PIB de 2020 para 2021. E deve cair novamente em 2022.

Entre os emergentes, muitos deles com juros que começaram a subir ainda em 2021 para controlar a inflação, o endividamento passou de 56% para 56,3% do PIB na mesma comparação e deve continuar crescendo neste e no próximo ano.

Nos países desenvolvidos destacam-se os efeitos inflacionários sobre a dívida de EUA, com redução de 5 pontos do PIB projetada para 2022, do Reino Unido (4,6 pontos) e do Canadá (4,1 pontos). São países que possuem dívidas e inflação superiores à mediana do grupo de países desenvolvidos.

Há países em que a ajuda da inflação está sendo anulada parcialmente por causa do efeito da desvalorização cambial sobre a dívida, como Argentina, Angola, Nigéria e Turquia.

No Brasil, inflação e recuperação da economia ajudaram a reduzir a relação dívida/PIB de 88,6% em 2020 para 80,3% em 2021. Esses fatores também geraram o primeiro superávit nas contas do setor público desde 2013. Em 2022, no entanto, a expectativa é que a dívida volte a crescer, diante de um quadro de estagnação da economia e juros reais elevados.

De acordo com a IFI (Instituição Fiscal Independente), órgão do Senado que monitora as contas públicas, a arrecadação crescerá menos, em linha com uma inflação em desaceleração para 5,5% até o final do ano. Já as despesas ficarão em grande parte atreladas ao avanço de dois dígitos nos preços do ano passado, quando o IPCA foi de 10,06%.

"A IFI tem alertado para a insustentabilidade de ajustes fiscais baseados em inflação desde meados de 2021. Vamos ter presente que a dívida bruta, após encerrar 2021 em 80,3% do PIB, deverá crescer neste e nos próximos anos. A despesa com juros, por exemplo, já cresceu 1 ponto percentual do PIB ao longo de 2021 e as taxas de juros das novas emissões do Tesouro avançam mês a mês", disse a instituição em seu relatório mensal de fevereiro.

A Fitch também adverte que, embora a alta de preços tenha efeito benéfico de curto prazo na dívida, ela tende a impactar negativamente o indicador ao longo do tempo. Conforme os bancos centrais decidem reagir à alta dos preços e os investidores passam a exigir retornos maiores em termos reais, as taxas de juros nominais sobem e o PIB desacelera.

"Os bancos centrais podem considerar necessário aumentar as taxas de juros de forma agressiva, resultando em taxas reais maiores e possivelmente empurrando a economia para a recessão", dizem os analistas da agência James McCormack e Ed Parker.

A Fitch afirma que a redução futura das dívidas dependerá cada vez mais de ajustes fiscais para melhorar os resultados primários. Diz também que condições favoráveis de crescimento do PIB acima das taxas de juros provaram não ser suficientes no passado recente.

Cerca de dois terços dos países analisados tiveram taxas de crescimento superiores às de juros nas últimas duas décadas, mas as dívidas dos governos ainda assim aumentaram.

Em 2023, quando o nível de endividamento deverá ficar estável, segundo a Fitch, o único fator de redução da dívida que terá avanço em relação a 2022 será a melhora do resultado primário.