BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O município de São Paulo ficou inadimplente com a União devido a um impasse no acordo que encerrará a disputa judicial bilionária envolvendo o Campo de Marte.

A prefeitura esperava concluir o acerto a tempo de extinguir sua dívida com a União sem necessidade de quitar a prestação de fevereiro, no valor de R$ 280 milhões. No entanto, a conciliação não foi finalizada porque o Ministério da Economia ainda analisa detalhes operacionais do acordo.

A Procuradoria-Geral do município acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) para pedir a suspensão da cobrança da dívida com a União e chegou a fazer um depósito judicial no mesmo valor, para demonstrar capacidade de pagamento. Mas o ministro Nunes Marques não acatou a solicitação.

Agora, o governo federal poderá bloquear o montante nas contas do município para assegurar a quitação da parcela. O não pagamento também fica formalmente registrado no histórico do município. Técnicos afirmaram à Folha que o depósito judicial não é aceito como pagamento da prestação.

O acordo sobre o Campo de Marte foi costurado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), para pôr fim a uma disputa que começou em 1958.

A gestão municipal tem defendido o direito a indenização por 88 anos de uso indevido do local pela União --a área foi ocupada pelo governo federal após a derrota do estado de São Paulo na Revolução Constitucionalista-- e já teve vitórias no STJ e no STF, em decisão de Celso de Mello.

Pelo acerto, a União abre mão de cobrar R$ 24 bilhões em dívidas do município com o governo federal, em troca da extinção da indenização pelo Campo de Marte, que era estimada entre R$ 26 bilhões e R$ 49 bilhões.

A AGU (Advocacia-Geral da União) já deu parecer favorável à conciliação. Por isso, a prefeitura não vê sentido em continuar pagando uma dívida que será extinta em pouco tempo, em consequência do acordo.

"A pretensão do município era apenas estabilizar os valores em discussão", disse a prefeitura em nota. O Tesouro Nacional não quis comentar.

Na prática, cada mês de atraso na conclusão do acerto significa um prejuízo de R$ 280 milhões para a prefeitura, uma vez que técnicos do governo federal consideram difíceis as chances de o município reaver os valores quitados.

Já a homologação do acerto, com a extinção da dívida, renderá um fluxo de caixa adicional de quase R$ 3 bilhões em 2022 à Prefeitura de São Paulo.

A avaliação na Economia, porém, é que o acordo envolve detalhes operacionais delicados. Esse será o primeiro acerto firmado sob as novas regras aprovadas na PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que permitem à União realizar conciliações para antecipar e até mitigar riscos fiscais envolvendo passivos na Justiça.

Como a emenda é recente, os técnicos precisaram formular uma série de consultas à PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), órgão jurídico da Economia, e ao Tesouro Nacional sobre como fazer a contabilidade do acordo.

De um lado, o governo federal abre mão de receitas financeiras de R$ 24 bilhões. De outro, a União precisará registrar uma despesa primária, no valor da indenização ao município de São Paulo.

O entendimento majoritário até agora é o de que esse gasto, embora seja contábil e não um desembolso efetivo, vai afetar o rombo nas contas públicas, aprofundando o déficit federal no ano.

Embora haja espaço na meta fiscal, que permite um resultado negativo de até R$ 170,5 bilhões em 2022, para acomodar esse impacto, há necessidade de se criar uma dotação orçamentária específica para a despesa.

Segundo um integrante da equipe econômica, é preciso tempo para implementar as medidas necessárias. Os técnicos querem assegurar que todos os procedimentos estejam de acordo com a lei. Quem assina as autorizações pode responder pessoalmente por qualquer eventual irregularidade.

Em relação ao teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação, a própria PEC dos precatórios previu a possibilidade de os gastos relacionados a esses acordos judiciais ficarem de fora do limite.

Há um desconforto na equipe econômica porque o processo foi submetido formalmente para análise do Ministério da Economia apenas em 23 de fevereiro, uma semana antes do vencimento da parcela devida pelo município de São Paulo, embora a pasta já estivesse acompanhando as negociações.

Nos bastidores, há relatos de pressão para que a análise fosse acelerada, viabilizando a conclusão do acordo e a extinção da dívida. Os participantes da negociação, porém, foram alertados de que a avaliação técnica não poderia ser finalizada no prazo de uma semana --daí a decisão de São Paulo de recorrer ao STF.

Em sua decisão, o ministro Nunes Marques disse que, apesar da sinalização de uma conciliação entre a prefeitura e a União, "é preciso que haja pleno acordo entre as partes para que se concretize o fim almejado". O magistrado informou ainda que, até a conclusão da negociação extrajudicial, não caberia interferência da Justiça.

"Reputo carecer competência jurisdicional ao conhecimento do pedido", disse Nunes Marques em trecho da decisão.

A postura do ministro surpreendeu integrantes do governo federal, uma vez que o STF costuma ser sensível aos pedidos de estados e municípios para suspensão de dívidas com a União --Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais foram alguns dos beneficiados.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que, diante do entendimento do ministro relator, está estudando outras alternativas em mesas de negociação com a União. "As tratativas seguem seu curso regular", afirmou.