SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Especialista em decifrar a mente de assassinos, a criminóloga e escritora Ilana Casoy, 62, mostra os equívocos cometidos pela polícia e pela Justiça que resultaram na condenação de inocentes na segunda temporada da série "Em Nome da Justiça", produção brasileira já disponível no canal pago AXN Brasil.

Em cada um dos 13 episódios da série são apresentados casos diferentes de pessoas que tiveram a vida virada de ponta-cabeça por crimes que não cometeram. A produção mostra as contradições, falta de provas, ouve envolvidos, intercala dramatização das cenas de cada crime e ouve especialistas para ajudar a compreender cada caso.

Ilana diz que, depois de passar mais de 20 anos falando sobre assassinos, sentiu uma vontade muito grande de mostrar casos de inocentes que responderam ou ainda respondem por crimes que não cometeram. "É uma tragédia, isso que me moveu [a fazer a série]", afirma Ilana.

A criminóloga afirma que as pessoas acreditam e julgam muito rápido um suspeito, inclusive a polícia e a justiça. Segundo ela, algumas vezes policiais investigam para incriminar uma pessoa ao invés de apurar o que realmente aconteceu e as provas. "Nosso sistema funciona mal, quanto mais pressionado pior ainda."

Ilana enfatiza que o Brasil precisa começar a ter uma coisa chamada cultura da prova e parar de olhar a cara, a família ou onde mora o suspeito. "Tem que ter prova, é responsabilidade do Estado. Se ele te acusar, tem que provar que você é culpado. É o velho ditado que está até careca: 'Quem vê cara, não vê coração'", afirma.

A criminóloga critica também as prisões e condenações que usam uma prova única de reconhecimento fotográfico ou presencial. Ela conta que já teve de fazer o reconhecimento de suspeitos em uma delegacia --ela não quis revelar o caso-- por meio de um buraco na parede. "Tinha dois algemados e dois policiais. Quem você reconheceria?", pergunta.

Ilana admite que é uma pessoa acostumada com o mundo dos crimes e ficou aliviada ao não conseguir reconhecer um dos algemados, porque depois ele provou que não estava no local no dia do crime. "Uma pessoa mais fragilizada, que não é uma criminóloga, vai falar que ele é o criminoso. Um reconhecimento sozinho é muito precário."

Esse foi o caso do Alexandre, personagem do primeiro episódio da série, que foi reconhecido por sete das 11 vítimas atacadas por um maníaco sexual --mesmo sem provas de DNA compatíveis-- em um caso que ficou conhecido como o "maníaco do Tatuapé".

Alexandre ficou preso por mais de três anos até conseguir provar a sua inocência, mas ainda é acusado por uma das vítimas com base apenas no reconhecimento. "O verdadeiro culpado é o autor por DNA de todos os outros [casos]. O Alexandre é acusado por uma vítima só pelo reconhecimento da fotografia", explica a criminóloga.

Ilana afirma que investigadores geralmente insistem em usar apenas as provas circunstanciais (indícios) ou de reconhecimento pela vítima. "A prova [de reconhecimento] é frágil e isso é comprovado estatisticamente no mundo inteiro. O Brasil segue prendendo [suspeitos] por reconhecimento fotográfico ou presencial", critica.

A criminóloga revela que mesmo com todas as histórias em que trabalha não tem medo de assassinos. Seu maior pesadelo é alguém entrar na sua casa, levar seus arquivos, olhar os livros, ver suas caveiras decorativas e dizer que ela é "macabra e parece uma psicopata" --termo que ela diz ter sido banalizado.

Assim como os inocentes condenados por crimes que ela mostra na série, Ilana teme ser acusada injustamente de algo. "Tenho medo de, sem receber um exame psiquiátrico, ser taxada [de psicopata] e nem saber mesmo do que eu estou sendo acusada. Isso para mim é o maior pesadelo", diz a criminóloga. Ela ainda complementa dizendo: "Nessa época tão midiática, de cancelamento, você está condenado antes mesmo de ser julgado."

Paralelo à série, Ilana trabalha no projeto de um livro sobre o caso Gil Rugai, condenado pelo assassinato do pai, Luiz Carlos Rugai, e da madrasta, Alessandra Troitinoa, em São Paulo, em 2004. A criminóloga, que ajudou na defesa do réu, diz que ele é inocente.

Segundo Ilana, Rugai estava em outro lugar na hora do crime e a porta da casa do pai, que teria uma marca de pé do momento do arrombamento, desapareceu. "Nos Estados Unidos, sumiu uma prova, acabou o caso".

Ilana é coautora ainda da série da Netflix "Bom Dia, Verônica" e fez com Raphael Montes o roteiro dos dois filmes sobre o crime de Suzane von Richtofen, "A Menina que Matou os Pais" e "O Menino que Matou meus Pais". Segundo ela, Monte foi o grande responsável por ela ter entrado no segmento da ficção --ela sempre preferiu as informações técnicas.

Juntos, eles também trabalham em uma série sobre o caso Isabella Nardoni, no qual atuou como criminóloga, mas que não pode dar detalhes do projeto. "Quando eu morrer ainda vai ter uns 30 anos de material [para ele trabalhar em outros roteiros], porque eu vou morrer antes, sou mais velha que ele. A gente tem tanta coisa, tanto projeto para fazer junto."

Sobre como surgiu o interesse pela mente dos assassinos, ela diz que sempre esteve lá. Uma das lembranças que ela guarda é de quando tinha três anos e viu o tio, o jornalista Boris Casoy, entrando na casa dos avós falando que o presidente dos Estados Unidos John Kennedy havia sido assassinado. "Minha primeira memória está relacionada a isso."

Ilana cresceu devorando livros e assistindo a filmes baseados em fatos reais. Fez faculdade de administração de empresas na FGV (Fundação Getúlio Vargas) e trabalhou durante anos na área. Mas há mais de 20 trocou a administração pelo desafio de desvendar a personalidade de criminosos.