Idles reflete a previsão de tempestade no Lollapalooza com show sinistro e pesado
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domingo, 27 de março de 2022
LUCAS BRÊDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) O Idles, uma das poucas bandas internacionais remanescentes da escalação pré-pandêmica deste Lollapalooza -adiado várias vezes até acontecer agora, dois anos depois-, mostrou um show sinistro e pesado no palco Budweiser, o principal do festival.
O grupo inglês subiu ao palco perto de 16h, só cinco minutos depois do horário previsto, apesar do atraso devido ao risco de raio no autódromo de Interlagos.
A plateia não estava tão numerosa, mas isso diz mais sobre este domingo (27) de Lollapalooza do que sobre o Idles. Isso porque a principal atração do dia, o Foo Fighters, cancelou sua presença no festival devido à trágica morte do baterista Taylor Hawkins, na Colômbia.
Além de mais esvaziado em relação aos dias anteriores, o domingo estava repleto de fãs órfãos, com camisetas da banda americana. Além disso, o sol forte que vinha sendo uma constante deu lugar a um clima fechado, com muitas nuvens e garoa.
De certa forma, este é um ambiente que casa bem com a proposta do Idles. Revelação do punk britânico nos últimos anos, a banda tem um som barulhento e agitado, com o vocalista Joe Talbot vermelho se esgoelando com o microfone na mão.
O repertório foi dividido entre os quatro discos da banda, com destaque para "Joy as an Act of Resistance", álbum de 2018 que deu destaque internacional ao grupo e marcou um momento de muita agitação política na Inglaterra, com a eleição do primeiro-ministro Boris Johnson e o Brexit. É desse álbum a música "Colossus", que abriu o show.
"Car Crash", lançada em 2021 no disco "Crawler", cantada a seguir, define bem o estilo do Idles. Enquanto guitarras e baixos distorcidos criam clima, Talbot descreve em detalhes um acidente de carro.
A certa altura, o vocalista homenageou Taylor Hawkins. Ele pediu para que o público gritasse o nome do baterista tão alto que os deuses pudessem ouvir --e, claro, foi prontamente atendido. Definiu o músico como "uma luz que nunca vai apagar", e continuou gritando o nome do baterista ao longo de todo o show.
O momento fofo foi um dos poucos deste tipo no show. Depois da brutal "Divide and Conquer", a banda puxou "Love Song", um tipo irônico de canção de amor.
Enquanto baixo e bateria seguravam a base, Talbot cantou de maneira desleixada trechos de diversos sucessos da música pop, incluindo "Hey Jude", dos Beatles, "Nothing Compares 2 U", do Prince, "Wonderwall", do Oasis, e "All I Want For Christmas Is You", de Mariah Carey. Tudo isso sem dar uma risada, com um senso de humor que é peculiar do Idles.
O público se animou com "Never Fight a Man With a Pen", música que debocha da masculinidade frágil e usa o nome do ator Charlie Sheen como uma gíria para cocaína. "Crawl!", a faixa seguinte, em que o vocalista pediu para o público se abaixar e depois levantar, traz Talbot falando sobre as incoerências de lidar com um trauma.
Já perto do fim do show, o público mais uma vez puxou um grito de "fora, Bolsonaro". A banda não reagiu, e eles puxaram "Samaritans" outra em que debocham da masculinidade. "A masca da masculinidade está me vestindo", cantou Talbot.
O show acabou antes de ter uma hora de duração, com Talbot limpando algumas lágrimas e cantando a música mais conhecida da banda, "Danny Nedelko", que fala sobre a situação dos imigrantes na Europa. "Meu irmão de sangue é brasileiro", ele cantou, mudando a letra.
Apesar de manter a animação sempre em alta, foi um show com uma carga emotiva diferente. O próprio Talbot já teve problemas com o vício em álcool e drogas. Agora sóbrio, parecia sentido com a morte de Hawkins -as autoridades colombianas investigam se a causa de sua morte foi uma overdose de drogas e remédios.
O vocalista encerrou o show agradecendo o amor do público brasileiro e puxando a última música, "Rotweiller" -segundo ele, "uma canção antifascista para um público antifascista".

